A Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) diante das discussões em torno de novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Jornalismo vem junto à Comissão constituída pelo MEC para este fim apresentar suas contribuições.
A Renoi entende que este é um momento importante para o jornalismo brasileiro, com a iminência da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a exigência da obrigatoriedade do diploma para exercício profissional, com a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação, e com a reformulação da regulamentação profissional pelo Ministério do Trabalho. Em direção ao amadurecimento, após 200 anos de existência, o jornalismo brasileiro vive hoje condições que o credenciam como uma atividade influente, estratégica e essencial para a tessitura de cenários que fortaleçam mais a democracia e a cidadania. Daí a preocupação da Renoi com a formação de novos profissionais e de novas oportunidades de oferta de um jornalismo de mais qualidade, equilíbrio, ética e responsabilidade social.
A Renoi entende que a discussão sobre Diretrizes Curriculares envolve dois aspectos fundantes no ensino de jornalismo e que precisam ser enfrentados, debatidos e definidos pela academia, mercado e sociedade:
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o perfil dos profissionais egressos das instituições de ensino;**
as competências e habilidades necessárias.Aspectos como conteúdos básicos, estruturas curriculares, orientações didáticas e filiações pedagógicas são também importantes neste debate, mas derivam necessariamente dos dois pilares anteriormente mencionados.
Estabelecer um perfil do egresso significa projetar o produto final de uma formação profissional mínima, isto é, o resultado dos esforços formativos para a instrumentalização de candidatos a jornalistas. A fixação deste perfil deve levar necessariamente em consideração idealizações, desejos e potências do jornalista profissional diante das transformações políticas, culturais, sociais e tecnológicas contemporâneas.
Definir competências implica considerar processos para a construção de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, isto é, o desenvolvimento amplo e profundo de aspectos dinâmicos e versáteis que devem ser formadores desses jornalistas profissionais.
Neste sentido, pode-se dizer que as Diretrizes Curriculares dos Cursos (DCN) nascem como resultado de um amadurecimento histórico do processo de determinação de currículos, e nascem do resultado de uma tensa discussão – ainda inacabada no campo da Educação – que contrapõe conteúdos e competências. Isto é, o dilema é: orientamos nossos cursos para ‘transmitir conteúdos’ ou para ‘desenvolver competências’? As atuais DCN salientam mais o segundo aspecto, por isso, definem perfis gerais e específicos, e competências e habilidades gerais e específicas. As novas diretrizes – pelo que se observa – tendem a seguir a mesma orientação, salientando competências e habilidades a serem desenvolvidas no período de formação dos novos profissionais. A assunção de um modelo como este implica que gestores, coordenadores, orientadores pedagógicos e professores adotem uma lógica que privilegie o desenvolvimento de competências, a consolidação de habilidades em detrimento da mera ‘transmissão’ de conteúdos ou saberes. O que se traduz em escolhas bem definidas para a organização didático-pedagógica das escolas e a estruturação dos cursos de Jornalismo.
A preocupação com o perfil
As Diretrizes Curriculares vigentes apontam para um perfil de egresso dos cursos de Comunicação com habilitação em Jornalismo que se caracteriza…
… pela produção de informações relacionadas a fatos, circunstâncias e contextos do momento presente;
… pelo exercício da objetividade na apuração, interpretação, registro e divulgação dos fatos sociais;
… pelo exercício da tradução e disseminação de informações de modo a qualificar o senso comum;
… pelo exercício de relações com outras áreas sociais, culturais e econômicas com as quais o jornalismo faz interface.
A Renoi entende que, embora amplo, esse perfil já não comporta todas as dimensões desejáveis para a qualificação dos jornalistas nos tempos contemporâneos. Por isso, a rede sugere a seguinte formulação:
Os egressos dos cursos de Jornalismo devem ser capazes de apurar, produzir e difundir informações em diferentes contextos, orientados pelo interesse público. Devem ainda compreender fatos e acontecimentos de forma a poder registrá-los e repassá-los a distintos públicos, adequando-se a suas linguagens, estilos e necessidades. O jornalista deve ser um profissional dinâmico no seu agir cotidiano, e preocupado com a correção e a precisão das informações que oferece. Deve ainda ser comprometido socialmente, ter senso crítico e equilíbrio de julgamento, buscar a independência em seus relatos e a pluralidade de vozes nas versões que elabora. Além disso, o jornalista deve ser ético, responsável e versátil, capacidade a atuar em diversas plataformas de difusão informativa.
O perfil desejado se articula às bases nas quais o jornalismo se propaga hoje, levando-se em consideração aspectos como convergência, multimidialidade, informação em tempo real, novos modelos de negócio e a cada vez mais presente participação do público no processo de produção da informação, tanto em experiências de jornalismo cívico quanto em formas colaborativas de coleta, tratamento e distribuição de informações pela internet. O perfil também está ancorado em competências e habilidades a serem desenvolvidas nos anos de formação, junto aos cursos. A definição de competências/habilidades está intimamente ligada a dinâmicas, práticas e ensaios oferecidos nas escolas, simulando situações reais de coberturas e atividades jornalísticas cotidianas de modo a permitir melhor instrumentalização e preparo técnico dos futuros profissionais. Evidentemente, essas atividades práticas precisam ser amalgamadas a reflexões e estudos teórico-conceituais, que vão permitir o alargamento do horizonte de entendimento desses alunos bem como lhes capacitar a ler com mais crítica, profundidade e amplitude os eventos que lhe são apresentados.
Competências e habilidades
Muito influente nos meios pedagógicos, inclusive os brasileiros, o sociólogo suíço Philippe Perrenoud define competência como ‘uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles’ [Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999]. Para Perrenoud, a formação por competências não rejeita conteúdos e disciplinas, mas acentua sua implementação. Estendendo a reflexão para o jornalismo, as competências permitiriam enfrentar conjuntos de situações complexas, de modo a levar os estudantes a buscar soluções e posturas mais firmes no exercício profissional. Assim, competências estão ligadas a savoir-faire, a saber fazer. Habilidades, por sua vez, são estágios seguintes, quando o sujeito executa ações competentes de forma introjetada, sem raciocinar. Perrenoud explica: ‘A partir do momento em que ele fizer `o que deve ser feito´ sem sequer pensar, pois já o fez, não se fala mais de competências, mas sim de habilidade ou hábitos’.
É necessário ter claro que competências e habilidades são inseparáveis da ação, mas dependem do domínio de conhecimentos. As competências habilitam sujeitos para desempenhos, enquanto que habilidades articulam-se com saber-fazer, saber-conviver e saber-ser.
As atuais Diretrizes Curriculares listam competências e habilidades esperadas para o perfil amplo do comunicador social e para os perfis das habilitações, entre as quais a do Jornalismo.
Competências e habilidades gerais do comunicador
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Assimilar criticamente conceitos que permitam a apreensão de teorias;**
Usar tais conceitos e teorias em análises críticas da realidade;**
Posicionar-se de modo ético-político;**
Dominar as linguagens habitualmente usadas nos processos de comunicação, nas dimensões de criação, de produção, de interpretação e da técnica;**
Experimentar e inovar no uso destas linguagens;**
Refletir criticamente sobre as práticas profissionais no campo da Comunicação;**
Ter competência no uso da língua nacional para escrita e interpretação de textos gerais e especializados na área.Competências e habilidades dos egressos dos cursos de Jornalismo
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Registrar fatos jornalísticos, apurando, interpretando, editando e transformando-os em notícias e reportagens;**
Interpretar, explicar e contextualizar informações;**
Investigar informações, produzir textos e mensagens jornalísticas com clareza e correção e editá-los em espaço e período de tempo limitados;**
Formular pautas e planejar coberturas jornalísticas;**
Formular questões e conduzir entrevistas;**
Relacionar-se com fontes de informação de qualquer natureza;**
Trabalhar em equipe com profissionais da área;**
Compreender e saber sistematizar e organizar os processos de produção jornalística;**
Desenvolver, planejar, propor, executar e avaliar projetos na área de comunicação jornalística;**
Avaliar criticamente produtos, práticas e empreendimentos jornalísticos;**
Compreender os processos envolvidos na recepção de mensagens jornalísticas e seus impactos sobre os diversos setores da sociedade;**
Buscar a verdade jornalística, com postura ética e compromisso com a cidadania;**
Dominar a língua nacional e as estruturas narrativas e expositivas aplicáveis às mensagens jornalísticas, abrangendo-se leitura, compreensão, interpretação e redação;**
Dominar a linguagem jornalística apropriada aos diferentes meios e modalidades tecnológicas de comunicação.A Renoi, objetivando contribuir para este importante debate, entende que na iminência de edição de Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Jornalismo, as competências e habilidades vinculadas a um perfil mais amplo devem ser absorvidas na medida da adequação e pertinência e que as competências e habilidades específicas devem ser atualizadas. Por isso, sugerimos a seguinte redação para este trecho:
Saber Fazer
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Produzir e editar materiais jornalísticos na forma de texto, imagem fotográfica, vídeo, áudio e outros, levando em consideração aspectos como clareza, correção e precisão, bem como limites de espaço e duração;**
Apurar e investigar informações, buscando correção e precisão dos dados;**
Reportar fatos, registrando com fidelidade os acontecimentos;**
Interpretar, explicar e contextualizar cenários, fatos e circunstâncias de modo a produzir informações que colaborem para o público-alvo;**
Elaborar pautas jornalísticas;**
Planejar coberturas jornalísticas de curta, média e longa durações;**
Formular questões e conduzir entrevistas;**
Editar materiais jornalísticos na forma de texto, imagem fotográfica, vídeo, áudio e outros, levando em consideração aspectos como clareza, correção e precisão, bem como limites de espaço e duração;**
Compreender e saber sistematizar e organizar os processos de produção jornalística, com o uso das novas tecnologias de informação e comunicação;**
Desenvolver, planejar, propor, executar e avaliar projetos na área de comunicação jornalística, com criatividade e método requeridos em um contexto de saturação de meios e mensagens;**
Dominar linguagens verbais e não verbais usadas nos processos de comunicação e informação;**
Articular materiais de diversas linguagens de maneira a compor um conjunto informativo claro, coeso e correto;**
Experimentar e inovar no uso destas linguagens, buscando convergência e multimidialidade;**
Dominar o uso de técnicas adequadas para a expressão das diversas perspectivas relevantes aos fatos e acontecimentos apurados, conferindo pluralidade e equilíbrio à apropriação jornalística;**
Dominar o uso das novas tecnologias de informação e comunicação para a ampliação das possibilidades de difusão de mensagens e produção colaborativa de informações com a participação do público;Saber Conviver e Saber Ser
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Relacionar-se com fontes de informação, priorizando a extração de informações pertinentes sem descuidar dos preceitos éticos da profissão;**
Trabalhar em equipe com profissionais da área, atuando de forma cooperativa e sinérgica;**
Relacionar-se com diferentes públicos, inclusive os produtores/consumidores de informação e usuários de sistemas informativos;**
Compreender a natureza e a função do Jornalismo nas sociedades contemporâneas, distinguindo entre suas diferentes missões: como atividade comercial, destinada a assegurar a liberdade de expressão, e como serviço público, orientado à afirmação do direito à informação;**
Conhecer as principais contribuições das ciências sociais e humanas ao campo da comunicação, em relação às exigências de consolidação da cidadania colocadas às mídias pelas democracias contemporâneas no contexto de uma economia globalizada;**
Conhecer as principais contribuições das ciências sociais e humanas para a compreensão dos desafios sociais, econômicos e políticos brasileiros, de forma a perceber e cumprir a função do jornalismo na apuração de responsabilidades pela gestão de políticas públicas sociais;**
Refletir criticamente sobre as práticas profissionais do Jornalismo;**
Atuar com responsabilidade, correção e ética profissional, cultivando ainda comprometimento com a cidadania e com o desenvolvimento humano e social.Ao oferecer suas contribuições ao debate sobre as novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Jornalismo, a Renoi reforça também o papel que a crítica de mídia tem nos processos formativos dos novos profissionais, servindo como atividade cotidiana e dinâmica pedagógica. A rede entende que os futuros profissionais devem ser capazes não apenas de desempenhar tarefas práticas do jornalismo, mas também precisa refletir sobre a sua condição na engrenagem social e sobre o cenário midiático que ajuda a sustentar a sociabilidade contemporânea. A media criticism corrobora para a construção de leituras mais críticas da realidade na medida em que coloca em xeque processos, produtos e práticas humanas na produção, representação e difusão de sentidos. Ler a mídia é também ler o mundo e ter uma melhor compreensão daquilo que nos faz ser o que somos.
Neste sentido, a Renoi agradece a oportunidade de participar deste importante debate, reiterando os votos de sucesso aos membros da comissão designada pelo Ministério da Educação. [Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi), Itajaí, 15 de maio de 2009]
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