Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Conversa sobre jornalismo e temas que estão no mundo

“Poucas coisas na vida são exatas, mas de uma coisa eu tenho certeza: ninguém é unanimidade. Ao longo de nossas vidas definimos nosso caráter, nossa personalidade e vivemos de acordo com normas e princípios que adquirimos durante nossa vida. Entretanto, por mais sensatos que possamos ser ou parecer, definitivamente não há como agradar a todos” (autor desconhecido).

Faço desta frase um pouco do que pude conhecer sobre Lúcio Flávio Pinto, embora por seu caráter exemplar e sua ética profissional, foi e é muito perseguido e odiado por seus adversários. Entretanto, por mais que Lúcio Flávio não agrade a este grupo, creio que a maior parcela o considera um dos maiores exemplos de profissional jornalístico. Eu o conheci desta maneira: um jornalista cuja conduta é divulgar a verdade. Em meio a tanta podridão da mídia, Lúcio Flávio Pinto se mantém limpo. Que bom que existe um jornalista como ele, que bom que existe o Jornal Pessoal, que bom que podemos falar que ele é de Belém do Pará, um orgulho para nossa terra.

Foi em uma casa que mais parece uma biblioteca que entrevistei o jornalista, figura polêmica, formador de opinião. Admirado por muitos pela firmeza em suas palavras e pela coragem de optar por um jornalismo íntegro e que fala a verdade, beneficiando a coletividade da informação, odiado pela elite e pelos os que a defendem, como cita na entrevista. Era o que se esperava: respostas tão inteligentes e ao mesmo tempo tão sábias de uma figura como Lúcio Flávio Pinto com 47 anos de carreira e quase 27 anos escrevendo o seu próprio jornal, baseado em Belém.

O que você mais gosta de fazer?

Lúcio Flávio Pinto – Bom, eu gosto de trabalhar, porque o trabalho me dá o prazer de ler e de ouvir música, que são as atividades que mais me dão prazer.

Qual a sua maior qualidade e maior defeito?

L.F.P. – Acho que a maior qualidade é querer sempre aprender, sempre disposto a descobrir coisas novas. Maior defeito é a pressa, essa ansiedade para fazer as coisas, que sempre compromete a perfeição.

O que deixa você com raiva?

L.F.P. – Muita coisa. Mas profissionalmente é ver uma informação valiosa não circular pela sociedade, é uma coisa que sempre me incomodou. Eu sou jornalista, sou como um instrumento, um veículo para transferir as informações que eu obtenho de valor social e que tenha importância para a sociedade, para que ela esteja informada o mais rapidamente possível, porque às vezes uma informação, quando não está casada com os acontecimentos, não acompanha os acontecimentos, ela passa a ser uma informação secundária. A boa informação é aquela que entra na agenda do dia do cidadão para que ele a use como ferramenta, uma arma para tomar as decisões certas.

Você tem medo de que?

L.F.P. – Que o meu medo seja maior que a minha coragem. Todos nós, seres humanos, temos um componente de medo e um componente de coragem. Quando o componente de coragem é exagerado, ai vira uma condição temerária. Quando o componente de medo é exagerado, se torna uma covardia. Então o ideal é você estar bem no meio. Temos os momentos de medo, mas o medo é sufocado pela coragem. Mas não ir à coragem até um ponto que chega ao suicídio.

Banda preferida?

L.F.P. – The Beatles

Qual sua opinião sobre as drogas?

L.F.P. – Acho uma droga. Todos os tipos de drogas. Eu nunca fumei, bebi socialmente até 1991. Quando eu estava na beira de uma piscina, num fim de semana em casa de um amigo, resolvi parar de beber. Esta é uma característica da minha personalidade: tomar decisões que mudem para uma situação melhor. Eu achava que a bebida era boa, mas me fazia falar demais eu não gostava de falar demais. Eu tomava trinta xícaras de café por dia quando estava no auge das redações, na revista Veja em São Paulo. Hoje eu tomo três. Eu acho que o caminho da vida é você procurar eliminar os defeitos que tem e aperfeiçoar as virtudes.

O que você faz para melhorar o mundo?

L.F.P. – Primeiro, eu procuro melhorar a mim mesmo, Depois, a minha vinculação ao mundo. Procuro sempre, no caso do jornalismo, os temas que me tornam importantes para a sociedade.

O que levou você para o lado do jornalismo?

L.F.P. – Eu não tive problema de vocação. Quando minha mãe estava grávida de mim, ela estava lendo um livro, Quo Vadis, e quando teve as dores do parto ela estava na página do centurião Lucius Flavius. Meu nome deve-se ao livro. Então a minha relação com o livro começou intrauterina. Meu pai foi jornalista. Desde que me entendo, fui jornalista. Participei de jornais de escolas e com 16 anos entrei no jornalismo profissional. Então, da mesma maneira que eu me descobri na água aprendendo a nadar em Santarém antes de descobrir o mundo, com o jornalismo eu também fui assim.

Você também é sociólogo. Em que esta formação influenciou na sua carreira profissional?

L.F.P. – Eu queria ter uma noção mais ampla das conjunturas. O jornalista lida com as conjunturas, com os acontecimentos do dia a dia. Eu queria ter uma compreensão maior, então fui pra sociologia e acho que optei certo. Foi muito importante para ter essa contextualização dos fatos.

Você deu aula em grandes universidades, atualmente ainda há interesse de exercer a profissão de professor?

L.F.P. – Eu dei aula nove anos na federal e o que eu senti muito foi que não só a atividade acadêmica e pedagógica exigia muito tempo. Também a politicagem, que existe também nas universidades públicas. Eu estava me desligando dos acontecimentos e estava cada vez mais confinado ao campus universitário. Então eu resolvi parar, porque eu estava me desatualizando. Eu gosto bastante de estar em contato com as universidades, em palestras, mas exercer a profissão de professor não mais, a não ser que eu queira me desligar do jornalismo. Fazer bem o jornalismo do dia a dia e desempenhar as funções acadêmicas provoca um desgaste enorme.

Por que deixou a grande imprensa, passando a se dedicar a um jornal próprio?

L.F.P. – Várias vezes eu me batia com os patrões e com os editores em relação às matérias mais polemicas, que incomodavam, com anunciantes, e eles sempre me diziam: então vai fazer um jornal, quem manda aqui é o patrão. Então resolvi fazer um. Eu fiz um jornal porque simplesmente não consegui publicar uma matéria que achava que tinha que publicar, que foi o assassinato de Paulo Fonteles, em 1987. Se for reparar, muitas notícias só saem no Jornal Pessoal. A noticia não é fornecida à sociedade por desinformação, incompetência e até mesmo covardia dos jornalistas.

Qual a importância do reconhecimento do seu trabalho através dos seus prêmios?

L.F.P. – Desde que ganhei o último prêmio Esso, em         1984, resolvi não ir atrás mais de prêmios. Até então eu ainda disputava alguns prêmios. Parei porque você passa ser um jornalista de prêmio. Vejo muitos jornalistas incomparavelmente mais bem premiados que eu, mas que utilizaram uma agenda para serem premiados. E isso é uma condicionante, às vezes até uma limitação. Desde então os prêmios que eu tive foram sem correr atrás, por iniciativa de alguém, não minha. É bom porque mostra que as pessoas estão prestando atenção. Não corro mais atrás, mas se eles aparecerem e eu achar que o prêmio é merecedor de crédito, eu acho isso muito bom.

Sabendo que o que move a grande imprensa são os patrocinadores, como sobrevive o Jornal Pessoaldesde 1987?

L.F.P. – Quando eu criei o jornal, eu tinha a principio uma ilusão. De que ele não iria durar muito. E eu queria que ele não durasse muito, porque eu sabia o que era fazer um jornal desse tipo. Seria um sacrifício enorme. Quando entrei para o JP, pedi demissão de O Estado de S. Paulo, no qual, trabalhei por 18 anos. Em respeito, o jornal me deu todos os direitos. E com esse capital eu montei o Jornal Pessoal. O jornal fez opção pela pobreza. E eu fui me ajustando à pobreza do jornal.

Levando em consideração que você tem diversos livros dedicados à Amazônia, que envolvem vários protestos e palestras, qual o fruto desse trabalho? Tem efeito esse trabalho tão necessário, mesmo essa guerra seja tão perigosa?

L.F.P. – Em 1978 eu estava escrevendo um artigo para uma revista em São Paulo de arquitetura e urbanismo (CJ Arquitetura e Urbanismo). Estava escrevendo um texto que falava de hectares. Uma pessoa que não tem informação não vai entender qual é a área que corresponde a hectares. Ai parei, fiquei pensado e fui ver as dimensões. O campo de futebol tem três dimensões oficiais e a menor delas era equivalente a um hectare. Ai eu escrevi nesse artigo de 78 que era equivalente a um campo de futebol. De lá para cá, todo mundo utiliza isso. E tenho certeza que aquela foi a primeira vez em que alguém usou a comparação. Essa inovação foi a certeza de que o jornalismo não se limita a reproduzir as coisas, está sempre se renovando, procurando novas formas de expressão para facilitar a comunicação com o público.

Essa foi uma contribuição formal. Outra contribuição é que eu queria uma expressão que dissesse o que era a Amazônia, em 1972 (bem antes do hectare). E a encontrei: é um “almoxarifado” mundial de recursos naturais. Almoxarifado do qual tudo se retira e pouco se repõe. Então passou a ser uma frase comum.

Quando você tem a percepção viva da história, você viu aquele acontecimento, conhece o personagem, esteve presente nos fatos, você gera um conhecimento novo, um conhecimento que produz uma cultura, com pessoas que repetem e incorporam a interpretação. Isso para mim tem sido o maior resultado do que eu escrevo, mas, sobretudo, das palestras. Provoco muitas discussões nas palestras. As pessoas me procuram, fazem perguntas. A palestra é muito importante para mim, pelo contato direto com as pessoas. Uma pena que muitas das vezes o tempo curto não permite o melhor debate. Prefiro ouvir o que as pessoas querem saber. O diálogo tem sido bom para mim, testa meus conhecimentos e os renova, e espero que para as pessoas também.

Você tem noção que o seu nome é citado na faculdade como um exemplo na profissão? Como você se sente sabendo disso?

L.F.P. – O mundo acadêmico está cada vez mais voltado pra dentro de si, cada vez mais preocupado com sua própria carreira. Eu vou para dentro das faculdades sabendo, que de um lado há pessoas que me consideram como modelo de alguma coisa. Mas o que me interessa realmente são aqueles que ainda hoje questionam o valor da informação jornalística. E eu sou extremamente rigoroso com profissionais da imprensa, que acham que podem escrever sem segurança, sem a quantidade de informações necessárias para construir uma história. Tem que ter maior rigor no jornalismo, porque às vezes é a única referencia dos fatos. Principalmente porque o mundo acadêmico se encolheu. Fico feliz quando vejo que as pessoas se sentem estimuladas no jornalismo, considerando o que eu faço. Mas minha principal tarefa é o do embate, tanto com os poderosos quanto com aqueles que de uma forma ou de outra servem a eles.

Apesar de ser um jornalista admirado por uma grande parcela dos jornalistas, você se considera sozinho nesta luta por um jornalismo integro sem qualquer envolvimento político e comercial?

L.F.P. – Não. Há pessoas, aqui e fora daqui, que eu respeito muito, que têm integridade, mesmo dentro de uma grande empresa. Porque também é uma ilusão achar: “porque estou dentro de uma grande empresa não posso fazer nada”. Às vezes isso ai é um habeas corpus preventivo para a pessoa não fazer nada. Eu, por exemplo. Trabalhava em O Liberal e não podia falar mal do governador, que era apoiado pelo jornal. E eu tinha uma matéria contra o governador, que denunciava corrupção no governo dele. Adotei uma tática. Pedi para o editor do jornal deixar uma pagina inteira de domingo para minha matéria e a entreguei no ultimo momento (alegando que tinha uma matéria bombástica), pois o jornal de domingo tem mais assunto e por isso é antecipado. E sumi (risos). No dia seguinte a bomba estourou, mas já estava tudo feito. O que me interessa é o seguinte: é verdade? Eu publico. Eu posso provar? Então eu publico. Se eu não tenho segurança na verdade e se eu não posso provar, então eu não publico.

Você acredita que a grande imprensa, um dia, possa voltar a seus padrões éticos?

L.F.P. – Não. Acho que melhorou em certos aspectos, mas nos padrões que um dia tivemos nunca melhorou. Tem uma democracia falha, em que alguns têm uma capacidade de manipulação muito maior do que a sociedade pode prevenir. É uma democracia limitada pelo dinheiro. Na época do AI-5 começa a ditadura para valer, a censura à imprensa nas redações. Mas ao mesmo tempo as pessoas eram mais dignas, sabíam quais eram os inimigos. Hoje o inimigo janta com a gente. Autocensura é a compra, pessoas que recebem mais para ficar caladas, varias formas de sedução. Hoje a autocensura é uma praga. Hoje o jornalista não quer saber se o patrão vai impedir ou não, ele não quer se expor. Se você se deixa vender, é porque você quer se vender.

O Jornal Pessoaltem um espaço dado ao leitor. Tanto os que concordam com o que você diz, e os que não. Qual a sensação de receber uma carta completamente ofensiva e ter que publicar?

L.F.P. – Eu poderia não publicar. A carta mais ofensiva foi mandada pelo Hélio Gueiros (três meses depois que ele deixou o governo). A carta começa com o palavrão mais horrível que se pode ter, e termina com o mesmo palavrão horroroso. Foi um impacto enorme. Na época eu quis cobrar pessoalmente dele, e tentei três vezes e, felizmente, não aconteceu o nosso encontro. Mas eu publiquei, porque eu posso contraditar tudo. Se eu estiver errado, eu digo: estou errado. Mas para ofender é muito fácil do que se defender. Na hora você sente um impacto enorme, é naquela hora que você vê se é covarde ou não. Felizmente, em tudo pelo que já passei, eu nunca me comportei como uma pessoa covarde, seja ao escrever ou ao me expor publicamente nas ruas. Não sou o mais corajoso dos homens, e é por isso que eu vivo. Tenho integridade, e não abro mão disso. Não baixo o nível. Ninguém nunca me viu escrever sobre a vida intima dos Maiorana, por exemplo. E eu poderia escrever. Mas quero saber apenas o que se implica na vida da sociedade. Então publico cartas de quem me ofende sem problema. Minha vida é aberta, pode dizer o que quiser, não tenho nada que esconder. O que eu falo é o que eu faço.

Quais são os seus projetos para o futuro?

L.F.P. – É continuar produzindo e escrevendo. Escrever enquanto estiver com consciência e tiver lucidez. Poderia ter três vidas iguais a essa e não terminaria nunca.

Diga uma frase preferida para finalizar

L.F.P. – Tenho como lema da minha vida a frase de um grande poeta alemão, Bertolt Brecht: “Não fazer mal a ninguém nem a si também. Eis o bem”.

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Sônia Michele Dalmácio Lobo é estudante do curso de Comunicação Social das Faculdades Integradas Ipiranga (Belém, PA)