A contemporaneidade é marcada por um novo modo de conceber e lidar com a realidade, estando os aspectos econômicos, políticos e socioculturais atravessados por dispositivos tecnológicos. É o que Henry Jenkins (2008) denomina de a era da convergência. Neste contexto, a prática jornalística há tempos tem se emaranhado por e em narrativas digitais: a multimidialidade ganha corpo nos muitos dispositivos móveis que possibilitam a fruição de conteúdo informativo para além do horário nobre numa sala de estar. Hoje é preciso pensar em como construir tais narrativas para que elas possam se adequar a este ou àquele gadget. Assim, o jornalismo responsivo se confirma cada dia mais como uma realidade comunicacional.
Reflexo disso é a quantidade de veículos que têm disponibilizado material para tablets, kindle e smartphones. Um exemplo é O Globo. Além de oferecer material para tais gadgets, o site ainda oferece e-books – que, neste caso d’O Globo, alguns autores chamam de e-singles, por serem menores que e-books e maiores que uma notícia convencional. E, claro, esses e-books podem ser lidos em displays digitais móveis.
O interessante notar é que esse tipo de material proporciona uma fruição imersiva da informação, principalmente por conta das imagens – sendo possível, claro, agregar muitas linguagens, todas elas “adaptáveis” aos dispositivos onde serão lidas/vistas/ouvidas. Isto é o jornalismo responsivo.
Papel touchscreen
Com a recente notícia de que em breve chega ao mercado brasileiro mais um exemplar desses aparelhos que permitem com que as pessoas estejam ligadas a tudo que acaba de acontecer, faz-se necessário estar atento quando o assunto é produzir um material informativo atrativo e que corresponda às expectativas do público. Hoje em dia, mais do que nunca, é preciso buscar a “notícia redonda”, aquela que tem o raio informativo ampliado por trazer um quadro mais explicativo sobre o acontecimento (SODRÉ, 1996).
Essa ampliação informativa, pelo que se nota, dá-se em grande parte pelo uso das novas tecnologias. Como bem observou Nilson Lage (2006), é natural o jornalismo unir linguagens, tecnologias e ciências sociais. As reportagens multimídias estão aí para corroborar a ideia de Lage bem como provocar uma mudança no atual paradigma comunicacional, tanto na produção como no consumo – e indo ao encontro da citada “notícia redonda”.
A possibilidade de se unir várias linguagens resgata, de certa forma, a grande reportagem, além de reconciliar a geração midiática, os nativos digitais (PRENSKY, 2001), ao jornalismo. Para se ter uma ideia, o acesso a conteúdo via gadget tem servido até como propaganda para incentivar a leitura de material impresso. Táticas mercadológicas à parte, o que se infere é que há um novo rumo a se tomar. Tal caminho sugere reflexões inclusive no ensino do jornalismo na academia – e as novas Diretrizes Curriculares Nacionais apontam para essa concepção mais atual.
Se hoje a tela de um kindle ou de um tablet é equivalente ao papel que manchava as mãos dos leitores mais antigos, é preciso pensar uma apuração e uma confecção do material de maneira diferenciada. A possibilidade de se atualizar o mesmo material que vai publicado numa revista tradicional faz desse cenário algo muito interessante. Além disso, o público pode conferir um conteúdo mais dinâmico, típico da agilidade e da instantaneidade do jornalismo online (PALACIOS, 2003).
Tímida convergência
Vale a pena mencionar que outros veículos, além dos impressos, tem experimentado o uso das novas tecnologias para a difusão de informações. O site da BBC Brasil, por exemplo, tem agora um design responsivo para smartphones. A TV Cultura, por sua vez, tem agregado ao seu jornal e a outros programas jornalísticos a segunda tela, que, na ideia original, serve para acrescentar mais informação simultaneamente ao que está sendo veiculado na televisão e cujo material a mais pode ser visto em notebooks, tablets e afins.
Porém, o que se vê até o momento são apenas textos e poucas informações que realmente atendam às expectativas multimidiáticas dos telespectadores/leitores. A convergência, neste caso, se dá de forma tímida. Mas por estar inserida num cenário de rápidas mudanças e de modelos não estanques, logo uma “fórmula” será encontrada – até porque, fazendo uma experiência rápida, percebe-se que não é das tarefas mais fáceis ou agradáveis acessar certos conteúdos na tela de um smartphone.
Pés de bois hightech
Apesar de todo um cenário que aponta para um maior acesso à informação, as novas tecnologias não devem ser entendidas como a panaceia da profissão. Afinal, pensar em edição de vídeo quase sem interferência humana parece anacrônico mesmo nos dias atuais. É evidente que não se deve deixar cair em tentação e pensar, por exemplo, que para fazer fotojornalismo – uma prática cujas exigências passam por todo um conhecimento técnico aliado a um viés ético e estético para além do mero registro em imagens –, basta ter um smartphone.
Um cenário assim, de automatização do jornalismo, do uso da tecnologia simplesmente por usar ou para passar uma imagem de modernidade, implica mais na precarização da profissão do que necessariamente um avanço. Dos chamados “dromedários” ou “pés de bois” – denominação dada aos jornalistas que sabiam fazer de tudo na redação, segundo Mário Erbolato (1979) – chegamos ao jornalista multimídia, o pé de boi hightech: aquele que apura, escreve, tira foto, edita vídeo e faz o que é necessário fazer a partir de instrumentos informáticos. É tudo ao mesmo tempo agora: uma espécie de se vira nos 30 jornalístico.
Porém, essa rapidez multitarefática deve estar focada num viés social, visar o bem comum, como fala Noblat (2003). O jornalismo responsivo pode agregar muito à prática jornalística, mesmo estando atrelado, necessariamente, a uma melhor condição financeira por parte de quem quer experimentar o consumo de notícia via kindle, por exemplo.
Se hoje na Internet basta ter informação e conhecimento para se produzir conteúdo, como explica Manuel Castells (2005), mais do que nunca cabe ao jornalista estar atento aos percursos que a comunicação está tomando diante das novas tecnologias. Responsivo ou não, o profissional de hoje deve ser responsável e usar o arsenal tecnológico hoje disponível para um bem maior: informar eticamente e da melhor maneira possível a sociedade.
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Iuri Barbosa Gomes é jornalista e professor, Alto Araguaia, MT