Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lira Neto diz que não vai mais escrever biografias

A noite de domingo [17/11] começou com mais um biógrafo afirmando, no Festival Internacional de Biografias, em Fortaleza, que não vai mais escrever biografias enquanto a legislação brasileira não mudar. O autor da vez é Lira Neto, cujo trabalho mais recente é a biografia de ex-presidente Getúlio Vargas, publicada pela Companhia das Letras. A declaração foi dada em debate com o jornalista Guilherme Fiuza.

– Enquanto a censura não acabar, não vou mais escrever biografias. Enquanto permanecer essa insegurança jurídica, meu próximo livro não será uma biografia, será uma reportagem histórica – disse Lira Neto, que prepara o terceiro volume da biografia de Getulio em agosto do próximo ano.

Na quinta-feira [14/11], Fernando Morais, autor de “Olga” (Companhia das Letras), já havia dito que abandonou as biografias, por conta da polêmica com o Procure Saber. Ele trabalha em uma biografia do ex-presidente Lula, com previsão de lançamento em 2015, mas garante que será a sua última

– Vou vender caju na Praça Buenos Aires (em São Paulo) – disse Morais, que reclamou do fato de as biografias passarem pelo crivo do departamento jurídico das editoras.

Manifesto contra a censura prévia

Ao final do debate, Lira Neto leu o manifesto escrito pelos 12 biógrafos presentes no evento, dirigido ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso. No documento, batizado por Fernando Morais de “Carta de Fortaleza”, eles pedem o fim da censura prévia das biografias. Os autores manifestam apoio à ação em trânsito no STF para declarar inconstitucionais os artigos 20 e 21 do Código Civil, que, na prática, permitem o recolhimento de títulos pelos biografados ou seus herdeiros. Eles também apoiam o projeto de lei, parado na Câmara, que abre uma exceção no Código Civil para liberar obras biográficas sobre pessoas públicas.

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Em Fortaleza, biógrafos divulgam manifesto ao Supremo e ao Congresso

Como não poderia deixar de ser, às vésperas da audiência pública no Supremo Tribunal Federal para discutir a liberação de biografias não autorizadas, o Festival Internacional de Biografias, em Fortaleza, virou um palanque de articulação política. Hoje, às 16h, 12 dos principais biógrafos do país divulgam um manifesto dirigido aos ministros do STF e ao Congresso Nacional. O documento será lido, às 16h, por Lira Neto, biógrafo de Getulio Vargas.

O documento diz que “a legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988”.

Os biógrafos se referem aos artigos 20 e 21 do Código Civil, aprovado em 2002, que na prática permite que biografados ou seis herdeiros recolham obras biográficas, caso se sintam ofendidos. Com o documento, os pesquisadores manifestam seu apoio à ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que corre no STF, movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), para declarar os dois artigos inconstitucionais. Eles também apoiam o projeto de lei 393/2011, do deputado Newton Lima (PT-SP), que visa a liberar biografias de figuras notórias.

Um dos principais articuladores do movimento foi o biógrafo Fernando Morais, autor de “Chatô – O rei do Brasil”, entre outras obras. Desde quarta-feira, antes do início do Festival de Biografias, Morais já defendia a elaboração de um documento para ser assinado pelos autores presentes.

Na “Carta de Fortaleza”, os autores afirmam que o Código Civil é um “constrangimento e impedimento” não só à produção de biografias, mas também a qualquer trabalho de não ficção sobre política, artes, esportes e “outros aspectos da vida nacional”. Eles lembram ainda que o Brasil é a única democracia do mundo a praticar censura prévia, e que o jornalismo também é atingido pelo problema. “O conhecimento da própria história é um direito dos brasileiros”, concluem na carta.

Além de Fernando Morais, assinam o manifesto Guilherme Fiuza, Humberto Werneck, João Máximo, Josélia Aguiar, Lira Neto, Lucas Figueiredo, Luiz Fernando Vianna, Mário Magalhães, Paulo César de Araújo e Ruy Castro. (M.M.)

Leia a íntegra do documento:

“Os biógrafos reunidos no 1º Festival de Biografias, em Fortaleza, vêm a público manifestar apoio irrestrito à Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros, e ao projeto de lei 393/2011, de autoria do deputado federal Newton Lima. As duas bem-vindas iniciativas pretendem abolir a censura prévia imposta a biografias e demais manifestações culturais, acadêmicas e jornalísticas.

A necessidade de autorização prévia converteu-se no Brasil em constrangimento e impedimento à produção não apenas de biografias, mas de qualquer trabalho de não ficção que trate de política, artes, esportes e outros aspectos da vida nacional.

Esse instrumento de censura _os artigos 20 e 21 do Código Civil_ já retirou de circulação ou ergueu obstáculos à difusão de livros, filmes, canções, teses acadêmicas, programas de televisão e obras diversas. São atingidos historiadores, documentaristas, ensaístas e pesquisadores de modo geral, além do jornalismo e, sobretudo, a sociedade brasileira.

A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988.

Alguém já disse que, antes de virar a página da história, é preciso lê-la. Para ler, pesquisar e narrar, a liberdade é imprescindível.

Nós, que vivemos sob a censura imposta pela ditadura instaurada em 1964, recusamo-nos a aceitar agora formas de cerceamento da livre manifestação de ideias e relatos históricos. O conhecimento da própria história é um direito dos brasileiros.

Confiamos no espírito democrático e republicano dos congressistas do Brasil e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Fortaleza, 17 de novembro de 2013

Fernando Morais

Guilherme Fiuza

Humberto Werneck

João Máximo

Josélia Aguiar

Lira Neto

Lucas Figueiredo

Luiz Fernando Vianna

Mário Magalhães

Paulo César de Araújo

Regina Zappa

Ruy Castro”

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Fernando Morais diz que não vai mais escrever biografias

Maurício Meireles # reproduzido do Globo.com, 14/11/2013

O escritor Fernando Morais disse, na quinta-feira [14/11], ao participar do Festival Internacional de Biografias, que decidiu abandonar o gênero por causa do Procure Saber, formado por Roberto Carlos (que deixou o grupo no início do mês), Paula Lavigne, Chico Buarque, Caetano Veloso e outros. Em seu currículo, ele acumula livros sobre a trajetória de nomes como Assis Chateaubriand, Olga Benario Prestes e Paulo Coelho, com os títulos respectivos Chatô – O rei do Brasil, Olga e O Mago. “O Procure Saber foi a gota d’água. Sem censura, fazer uma biografia já é um trabalho extenuante. Nenhum dos meus livros eu levei menos de três anos para fazer. Chatô, eu levei sete anos. Com táxi, viagens, hotéis, tudo pago do meu bolso. Você usa o adiantamento que a editora dá, mas o dinheiro é seu”, relata o escritor, aproveitando para criticar membros da associação. “Foi um espanto saber que Chico Buarque apoiava isso. Do grupo, ele é o único que conheço. Fomos presos ao mesmo tempo, em 1978, quando voltávamos de Cuba. O Chico entrou numa fria, ele foi induzido ao erro pelo Roberto Carlos, que é um espertalhão.”

Sem dedicar-se às biografias, o que pretende fazer a partir de agora? “Vou vender caju na Praça Buenos Aires. Tenho 20, 30 caixas de pesquisa sobre outras pessoas que eu gostaria de biografar. Vou passar isso adiante para outros biógrafos”, comenta, enquanto analisa a maneira como as editores passaram a tratar o gênero. “Agora os editores dão o livro para o jurídico antes de ser publicado. E para o jurídico não está em questão a qualidade literária. Advogado não é publisher.”

Sobre a audiência pública proposta pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para debater a inconstitucionalidade dos artigos do Código Civil que proíbem a publicação de biografias não autorizadas nos dias 21 e 22 de novembro, o escritor opina: “Sou pessimista. Duvido de tudo o que venha de um juiz. Mas espero que a Cármen Lúcia defenda as biografias em seu relatório. Não me inscrevi para participar, mas se precisar vou a Brasília gritar.”

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Maurício Meireles, do Globo