O Google impôs pesada derrota à indústria de publicações impressas nos Estados Unidos ao garantir na justiça a publicação de extratos de milhares de livros online de graça, publicou o site de notícias de tecnologia The Register, de Londres (15/11). A outrora poderosa e hoje vetusta Authors Guild (organização que defende copyright de escritores), junto com “grupos representando fotógrafos e artistas gráficos”, processou a megaplataforma digital por anos e perdeu a ação, informou o site. Todos tiveram que acatar a decisão do juiz Denny Chin, da corte de Nova York-Sul, que decidiu em favor do gigante das buscas nesta primeira sentença de um litígio de oito anos com escritores.
O magistrado acredita que o Google não violou as leis de copyright nos Estados Unidos, “e deve ser protegido de posterior ação legal” nesta matéria. Pedaços de grandes e pequenas obras estarão disponíveis ao público como um “catálogo da era digital que dá aos usuários a capacidade de encontrar livros para comprar ou tomar emprestado”, sentenciou o magistrado.
O interesse público sobrepujou a sede dos lucros na corte de Nova York. Mas todos foram devidamente contemplados com alguma coisa em troca: o Google é uma empresa que vale mais do que toda a indústria de publicações nos Estados Unidos. Em 2012, tinha um valor de mercado de 249,1 bilhões de dólares, segundo o Financial Times (1/10/2012), e seu faturamento era 29,321 bilhões em 2010, de acordo com a Securities and Exchange Commission (Comissão de Títulos e Câmbio) do país. Em 2012, a empresa ultrapassou pela primeira vez a marca de 50 bilhões de dólares ao ano.
Precedente importante
A indústria de publicações movimenta 15,049 bilhões em moeda americana, de acordo com o site Paicontent.org (15/05). E isso depois de um crescimento de 6,9 % desde 2011. Um acordo com os principais publicadores do país foi assinado em outubro, informou o Register. O Google não tinha como perder: seu projeto é relevante do ponto de vista da sociedade, da educação e da cultura em todo o mundo. E ele tem todo o dinheiro e poder para realizá-lo.
O gigante das buscas muitas vezes edita os livros de modo a apresentar os pontos principais e algumas ideias básicas dos autores. Não é a obra inteira, mas o material, além de ser um catálogo digital de publicações, também pode, graças à qualidade das extrações que são feitas dos livros, servir como fonte de citações de obras originais para vários tipos de profissionais. Jornalistas da web, principalmente, pois precisam conciliar rapidez com precisão. Nos extratos do Google eles encontrarão tudo o que precisam para uma citação correta de fontes originais: ano de publicação, edição, editora(s) e local da primeira impressão original.
Além disso, executivos da gigante digital californiana fizeram acordos com livrarias de pesquisa e passaram por cima dos autores para aumentar sua monumental coleção de obras. Eles podem não publicar livros inteiros, mas abriram um precedente que outro magistrado americano não deixou de notar: é a primeira vez que estamos diante da possibilidade de digitalizar e por ao alcance da humanidade todo o nosso saber escrito e comprometido ao papel.
Uma megabiblioteca
Isso tudo acabou por fazer muitos escritores entenderem que o Google havia violado a lei do copyright ao anunciar, anos atrás, sua intenção de digitalizar todos os livros a que pudesse ter acesso. Todos os 129.800.000 até o momento, informou o site inglês. A tarefa é imensa e demandará esforço hercúleo. Nada que a turma do Google não dê conta. A oportunidade não pode ser perdida. O gigante de Mountain View deve usar seu poder de mercado e continuar com o projeto de digitalização dos livros. O escritor que não tiver sua obra lá no Google pode sair perdendo. O leitor, o profissional e o estudante vão perder. A humanidade vai deixar de contar com um poderoso recurso, se a ideia do Google for entendida como violação dos direitos de copyright.
A decisão do juiz de primeira instância está sujeita a apelação e baseia-se numa lógica simples: pequenos extratos de livros não competem com suas versões originais vendidas nas lojas ou na web. E ainda podem servir como estímulo à indústria de publicações, acredita o juiz. A Authors Guild já prometeu recorrer a instâncias jurídicas superiores. Não creio que ela e seus associados possam vencer o gigante das buscas. Ele, hoje em dia, é poderoso demais, útil demais, e quando consegue somar um grande projeto ao interesse da sociedade em rede torna-se imbatível.
Não sei se o Google vai ganhar este litígio em todas as instâncias do judiciário americano, mas sua iniciativa de criar uma megabiblioteca de títulos importantes para a sociedade é muito mais relevante do ponto de vista social que qualquer artifício jurídico mesquinho de apropriação privada do saber que impeça a possibilidade da partilha.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor