Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Quem pega um exemplar de sábado da Folha começa a duvidar de que o jornalismo impresso esteja mesmo em crise. São cadernos que não acabam mais, suplementos extras, reportagens especiais, que deveriam fazer a delícia do leitor, mas têm provocado muita reclamação.

“É irritante ter de organizar os cadernos 1, 2, 3 de cada assunto, todos com anúncios enormes. Não quero ser obrigado a folhear todo o jornal para achar o que me interessa”, diz José Luiz Dias, 62, gerente de vendas em São Paulo.

De fato, os cadernos chegam fora de ordem. “Poder 2” aparece depois de “Esporte”, “Cotidiano 2” está a léguas de distância do “Cotidiano 1” e deveria ganhar um pirulito de recompensa quem consegue encontrar a “Folhinha”.

O encarte dos cadernos tem relação com os horários de fechamento. Não há capacidade na gráfica para rodar todo o jornal à noite. A “Ilustrada” e os suplementos são impressos no começo da tarde -é por isso que, se um artista morre às 16h, seu obituário sai em “Cotidiano” ou em “Mundo”.

“Primeiro Caderno”, “Mercado”, “Cotidiano” e “Esporte” são os produtos quentes, fechados no horário final (às 21h para a edição nacional, à meia-noite para a São Paulo), e neles é possível trocar notícias até a madrugada. Só que há um limite de páginas para a última rodagem. Quando o volume de publicidade é grande, criam-se os cadernos 2, que são impressos às 19h.

A montagem do exemplar é manual: “Mercado 2”, “Cotidiano 2”, “Mundo 2”, impressos em conjunto, formam um bloco. Colocar cada um na sequência ideal, ou seja, depois de “Mercado 1”, “Cotidiano 1”, “Mundo 1”, respectivamente, atrasaria demais a entrega do jornal.

Além de dificultar a leitura, a divisão artificial de assuntos propicia erros de edição. Temas correlatos, que deveriam estar na mesma página, vão parar em cadernos diferentes. Acontece também de assuntos menores serem esticados para preencher as páginas que fecham cedo, enquanto notícias mais importantes são subestimadas.

Para o leitor, resta ainda a dificuldade de encontrar os textos num mar de publicidade. Contando apenas os anúncios que ocupam páginas inteiras, havia, no último dia 26, 82 páginas de propaganda de um total de 154 (53%, sem contar o “Guia de Livros”). No “Primeiro Caderno”, definido por um leitor como a “alma do jornal”, havia 17 anúncios inteiros em apenas 24 páginas.

“A quantidade de propaganda está abusiva, o que desmerece o jornal. Parece que estão mais preocupados com o financeiro do que com o leitor. Falta bom senso”, critica o médico Hélio Teixeira, 69, que recebe a Folha em Uberlândia (MG).

Hélio, como outros leitores, sugere que se concentre a publicidade de imóveis e veículos nos cadernos “Classificados”, mas o fato é que os anunciantes buscam colocações que consideram mais nobres no chamado produto principal.

A edição de ontem estava menor por causa do feriado, mas a do sábado retrasado era um bom exemplo de “jornal Frankenstein”, que, gigantesco e mal-acabado, pode virar um problema para o seu criador.

As reportagens de economia se espalhavam por três cadernos. Apesar de um deles ser dedicado à China, a notícia de que as exportações do país estavam se recuperando ficou em outro caderno. Uma fotografia enorme, de uma ciclista solitária em Guangzhou, ilustrava o texto, embora a venda de bicicletas não fosse citada no texto.

“Mundo 2” tinha grandes reportagens sobre temas irrelevantes, como fabricantes de manequins da Venezuela apostando em versões com mais curvas, os problemas dos criadores de cavalos em Fukushima e a Força Aérea do Peru reativando pesquisas sobre óvnis.

“Poder 2” fez um levantamento sobre o programa Luz para Todos, repetindo praticamente tudo o que havia sido publicado em março.

É ingênuo imaginar que um jornal vá recusar publicidade num momento em que o futuro do impresso é tão sombrio. Mas é necessário discutir alguns limites e, ao mesmo tempo, investir na Redação a fim de lhe dar fôlego para melhorar a qualidade dos “monstrinhos” produzidos aos sábados.