A Associação Nacional de Jornais (ANJ) acionou sua assessoria jurídica para questionar o projeto do grupo espanhol Prisa, dono do jornal El País, que está criando uma empresa jornalística no Brasil para lançar um site informativo em português, em operação desde terça-feira (26/11). O argumento das empresas nacionais de comunicação é que a iniciativa fere o artigo 222 da Constituição, que abriu parcialmente ao capital estrangeiro a participação em empresas jornalísticas brasileiras.
A emenda que alterou o artigo 222 da Constituição foi aprovada em maio de 2002, após longa negociação com o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso e com o Congresso Nacional. Seu texto afirma que “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país”.
A lei estabelece que estrangeiros podem participar do capital, no limite de 30% do total, e diz também que a responsabilidade editorial deve ser de brasileiros, estendendo as normas aos meios eletrônicos, independentemente da tecnologia utilizada.
A mudança na Constituição tinha como propósito atrair capital estrangeiro para as empresas nacionais de comunicação, que já viviam na época uma grave crise, após o período de expansão do início dos anos 1990. Anteriormente, estrangeiros não podiam ter nem uma mínima fração da mídia jornalística brasileira, pelo menos oficialmente.
A medida foi anunciada como a “abertura” da imprensa nacional ao mercado internacional. No entanto, de lá para cá não houve aportes de estrangeiros nas empresas nacionais: os investidores preferem criar novos negócios ou, como no caso do grupo Prisa, estender suas empresas globais com versões em língua portuguesa.
A rigor, essa foi a única mudança feita no capítulo da Constituição dedicado à Comunicação Social nas duas últimas décadas. Ainda assim, a emenda constitucional só foi regulamentada em dezembro de 2002, por uma Medida Provisória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando seu sucessor, Lula da Silva, já estava eleito.
As empresas jornalísticas tinham medo de que, ao assumir, Lula viesse a questionar as razões da mudança na Constituição. Na ocasião, o Partido dos Trabalhadores exigia, em contrapartida, que fosse instalado o Conselho de Comunicação Social.
Mercado cativo
O irônico no caso é que o autor da nova “ameaça” aos negócios da mídia 100% nacional é um desses personagens que a imprensa adora bajular, apontado como um dos mais clarividentes executivos da mídia mundial. Juan Luís Cebrián, o presidente do grupo Prisa e fundador do El País, tem grande prestígio entre os executivos do setor na América Latina, por haver mantido sua organização bem defendida contra a crise que impacta o setor de comunicação. Sua atuação como autor da estratégia bem sucedida do grupo aparece em tudo quanto é seminário de jornalismo nos últimos anos, inclusive aqueles promovidos pela Associação Nacional de Jornais. Sua biografia se mistura à história da moderna imprensa espanhola, que ressuscitou em meados da década de 1970, com o fim do regime franquista.
Uma das histórias mais conhecidas é a que relata o dia em que ele deixou de mandar os primeiros exemplares de El País para a censura, e nada aconteceu. Esse foi o sinal para o avanço das forças democráticas, que viram na falta de firmeza dos censores uma demonstração de fragilidade da ditadura agonizante.
Ao migrar rapidamente o conteúdo do jornal espanhol para a internet, Cebrián conseguiu arregimentar quase 20 milhões de leitores em todo o mundo, ganhando aplausos da imprensa brasileira. Mas agora, ao tentar competir no mercado de língua portuguesa, ele vai despertar a fúria dos velhos leões da imprensa nacional.
A primeira pergunta que não quer calar é: quantos dentes ainda têm os antigos reis da floresta da informação?
Enfrentando as consequências de seu engajamento sem pudor nas disputas eleitorais dos últimos vinte anos, a chamada mídia tradicional tenta defender o fechamento do mercado, cujas razões podem ter desaparecido com a consolidação das tecnologias digitais de informação e comunicação.
As empresas de comunicação do Brasil precisam demonstrar a tese de que apenas empresários brasileiros têm condições de conduzir sistemas noticiosos que contemplem os interesses nacionais.
A segunda pergunta seria: quem ainda acredita nessa história?