Primeira revista modernista do Brasil, Klaxon, que circulou entre maio de 1922 e janeiro de 1923, completa 90 anos de seu desaparecimento com uma edição fac-símile lançada pelo Instituto de Cultura Contemporânea (Icco) e a editora Cosac Naify. A caixa com os nove números da revista, primeira ação dos modernistas depois da Semana de Arte Moderna de 1922, traz um número extra concebido pelos artistas Marilá Dardot e Fábio Morais, que fundiram os exemplares originais, criando um turbilhão de imagens sobrepostas ao gosto dos barulhentos modernistas – klaxon era a buzina dos automóveis da época.
Irreverente, sarcástico, o “mensário de arte moderna”, porém, não provocou ruído por muito tempo. Sem patrocínio ou publicidade, Klaxon deu seu último suspiro em 1923, mas deixou herdeiros: virou modelo de várias revistas vanguardistas depois do modernismo. Há muito de sua estética na produção dos concretistas paulistas, por exemplo. A edição fac-similar será lançada hoje, às 19h30, com um recital de poesia e música na Casa Guilherme de Almeida.
Foi na Biblioteca Brasiliana do casal José e Guita Mindlin, hoje instalada na USP, que Daniel Rangel, curador e organizador da publicação fac-similar que marca os 90 anos de desaparecimento da modernista Klaxon, manuseou os originais da revista, lançada na sequência da Semana de Arte Moderna de 1922. Ela reapareceu em edições fac-similares nos anos 1970, mas saiu de circulação e volta agora reproduzida com tal fidelidade que é até possível imaginar o poeta Guilherme de Almeida chegando à Tipografia Paulista, em 1922, para retirar de um caixotim de letras maiúsculas um “A” imenso, usado num cartaz da ópera Aída. Pois é o mesmo “A” que corta de ponta a ponta as capas dos nove números que circularam da Klaxon.
Na esteira de um fenômeno europeu
O modernista Guilherme de Almeida foi o autor de todas essas capas do barulhento mensário paulista, cujo vanguardismo assustou os potenciais patrocinadores, a ponto de o único anunciante do primeiro número, a Lacta, cancelar a presença na contracapa do número seguinte. Motivos não faltavam aos empresários da fábrica de chocolates. Logo no primeiro número, um editorial-manifesto, ao definir a linha da irreverente revista, assume os erros dos modernistas da Semana de 1922, mas não se curva ao coro dos contentes: diz que Klaxon não se queixará por ser incompreendida, mas que “O Brasil é que deverá se esforçar por compreender Klaxon”.
Pode parecer um editorial pretensioso, mas não quando se lê o quadro de redatores e colaboradores da revista: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Sérgio Buarque de Holanda, Sérgio Milliet, Manuel Bandeira. Para completar, os artistas visuais que colaboravam com ela: Anita Malfatti, Brecheret, Di Cavalcanti, John Graz, Tarsila do Amaral. De fato, o editorialista da Klaxon estava certo: o Brasil teve de fazer um esforço enorme para entender a vanguarda modernista, que se expressa de forma sarcástica contra os conservadores em poemas, ensaios, resenhas e críticas. Klaxon foi a primeira revista cultural a publicar crítica de cinema, elogiando filmes hoje clássicos (Mário de Andrade analisa O Garoto no quinto número).
A despeito da vida curta, ela abriu caminho para outras revistas vanguardistas dos anos 1920, entre as quais uma de grande importância histórica, a Revista de Antropofagia, criada por Oswald de Andrade em 1928. A Klaxon surgiu na esteira de um fenômeno editorial europeu, em que revistas serviam de veículos para difundir movimentos artísticos, como a Almanach Der Blaue Reiter (1912), importante na promoção do expressionismo alemão, ou a portuguesa Orpheu (1915), dedicada à literatura.
Buzinar a ideologia
Como elas, a Klaxon foi um veículo para atingir um público culto mas não sintonizado com o ideal modernista, incomodando tanto como o barulho da buzina que lhe emprestou o nome. Sua reedição, como observam seus patrocinadores da UBS Brasil, coloca nas mãos da nova geração uma obra que estava restrita a pesquisadores nas bibliotecas de raros. Esse é o primeiro volume da Coleção Fac-Símile do Instituto de Cultura Contemporânea (Icco), que vai reeditar outras publicações no campo das artes. Na análise do curador da coleção, Daniel Rangel, “o legado estético e conceitual daquele período é fundamental para compreender a produção artística das décadas seguintes”.
Sem dúvida, sem os modernistas de 1922 seria mais difícil entender o movimento antropofágico, a poesia concreta e o tropicalismo, para citar apenas três manifestações que levaram a sério o que escreveram Mário e Oswald de Andrade. Numa análise da Klaxon feita pelo poeta concreto Augusto de Campos a pedido do jornalista Marcos Augusto Gonçalves (autor do livro 1922: A Semana que Não Terminou), ele diz que a revista “refletia as inconsistências do modernismo de primeira hora”. Augusto de Campos critica principalmente os colaboradores estrangeiros da revista, nomes pouco ou nada conhecidos. Uma coisa, porém, é certa: como era difícil a publicação de livros modernistas nos anos 1920, Klaxon cumpriu o papel de buzinar a ideologia da Semana de 1922, anunciando os novos tempos de um trânsito difícil entre a vanguarda e o público brasileiro.
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Antonio Gonçalves Filho, do Estado de S.Paulo