Não tem escapatória: o assunto da semana é o Lulu, aplicativo criado nos EUA e lançado recentemente no Brasil que permite às mulheres avaliar homens de quem são amigas no Facebook em quesitos como “aparência”, “sexo” e “educação”. No app, os rapazes ganham perfis não autorizados aos quais as garotas atribuem hashtags elogiosas e/ou negativas. A ferramenta, então, confere nota ao cidadão.
O tema está sendo discutido na redes sociais, em blogs e até nos grandes jornais. A ferramenta estimula o sexismo? Coloca as mulheres em posição de poder? Ou é apenas brincadeira? A atriz americana Sam Ressler escreveu um artigo para o jornal “Huffington Post” em que chama o Lulu de “o pior aplicativo para mulheres, feito por mulheres”. Ao usar o serviço, Sam diz que a ferramenta permitiu que ela se lembrasse de toda a raiva dos ex-namorados. “O Lulu derramou sal em suas feridas mais recentes e te afastou do cara legal com quem você saiu na noite passada”, escreveu.
Já Kelly Clay, especialista em mídias sociais, disse, na “Forbes”, que o app “não somente encoraja jovens mulheres a destruírem os homens pela vingança, como, sem dúvida, terá um impacto de longo prazo sobre a vida desses homens”. Michael Anthony, escritor e veterano da Guerra do Iraque, escreveu no “Business Insider”: “Se os homens virem o impacto que têm causado nas mulheres e em suas vidas, talvez isso os force a mudar”.
Entre as hashtags atribuidas aos marmanjos, há expressões do tipo #AiSeEuTePego, #NãoLigaNoDiaSeguinte, #NãoFazNemCócegas e até #CurteRomeroBritto. A professora Adriana Braga, do departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, acredita que mais importante do que listar as qualidades e defeitos do aplicativo é perceber o que ele demonstra sobre a nossa sociedade.
– O fato desse aplicativo ter conseguido uma adesão em massa aponta o quanto a nossa mentalidade está atrasada no que diz respeito às relações entre homens e mulheres – analisa Adriana, que é pesquisadora do CNPq sobre questões de gênero nas redes sociais. – Olhando apressadamente, até pode parecer que o Lulu representa uma tomada de poder das mulheres, um ambiente para elas se expressarem, mas, observando com mais cuidado, dá para notar que o app apenas reproduz a mentalidade sexista, em que o outro é tratado como um objeto. O aplicativo reforça a lógica que as feministas e os movimentos sociais vêm combatendo há décadas.
A maior parte dos grupos feministas não está mesmo contente com o aplicativo. O papo do “empoderamento das mulheres” não convence muitas integrantes do movimento, que veem na rotulação dos homens como #BemCriado ou #MaisBaratoQueUmPãoNaChapa a perpetuação de estereótipos sexistas. Militante da Marcha Mundial das Mulheres, a carioca Carolina Peterli ainda chama atenção para os possíveis efeitos do app na vida social dos “avaliados”.
– É como se não fôssemos pessoas, mas coisas ou mercadorias que podem ser vendidas e classificadas como boas ou ruins. O impacto que um aplicativo como este pode ter na vida das pessoas é imensurável – observa Carolina, formada em Relações Internacionais. – Quando a mulher ou o homem é avaliado como alguém que não corresponde aos critérios previamente definidos, sua autoestima fica abalada e isso pode influenciar inclusive nas relações no mundo real, pois as pessoas se sentem diminuídas e não se acham capazes de se relacionar.
Apesar da enorme quantidade de críticas que o Lulu tem recebido, ele tem também uma enorme adesão do público feminino – mais de 1 milhão de usuárias já baixaram o programa somente nos Estados Unidos. E muitas delas veem a ferramenta simplesmente como um passatempo. Sem querer defender ou crucificar o app, a escritora gaúcha Clara Averbuck vem provocando a ira de muitos internautas ao afirmar, no Twitter, que a reação dos homens está sendo exagerada.
“Não tem nem como devassar alguma vida com hashtags bobas fechadas. Simplesmente não tem”, disse a autora de “Máquina de Pinball” na rede.
Ao jornal O Globo, ela explica melhor seu ponto de vista:
– O Lulu não é um medidor de performance sexual, como alguns homens desinformados estão achando por aí. E por mais “objetificante” que seja a ideia de passar por uma avaliação, os homens não têm seu caráter julgado por causa de sua vida sexual – analisa Clara. – A maior preocupação da galera é com a nota baixa, o que, vamos combinar, é ainda mais infantil do que as hashtags disponíveis.
A jornalista Raisa Carlos de Andrade, que também chegou a baixar o app para matar a curiosidade, logo dispensou a ferramenta.
– Não acredito que o Lulu traga algo de novo. As hashtags já são estabelecidas pelo próprio app, então ele acaba sendo apenas um espaço para ser rotulado como “de mulherzinha” – acredita Raisa. – Fora que, se um cara é babaca, não existe motivo nem para tê-lo no Facebook!
A redatora Estela Rosa, por sua vez, nem pensou em testar a ferramenta por não achar lá muito útil.
– Ela vai contra a individualidade de cada pessoa, não considera más experiências e erros e coloca o mais fraco isolado. Gosto é relativo – pondera Estela, sugerindo, ainda, que o serviço, apesar de “uma besteira”, pode gerar um questionamento positivo: – Se os homens estão se doendo ao serem avaliados, deveriam imaginar o que é sentir isso fisicamente, na pele, dentro do ouvido, como nós, mulheres, vivemos todos os dias.
A privacidade na era virtual
Para Clara Averbuck e a professora Adriana Braga, uma das questões mais importantes que o Lulu pode levantar é a do uso de informações privadas dos usuários por parte dos provedores de redes sociais. Como o Lulu “puxa” os dados do Facebook, os homens que possuem perfil na rede de Mark Zuckerberg estão automaticamente no Lulu – por mais que possam pedir que seu perfil seja removido. O Facebook, porém, já comunicou que a transação não viola as políticas de privacidade da rede social.
– Todas as redes sociais têm parceiros comerciais. Trocando em miúdos, isso significa compartilhamento de dados dos usuários com empresas – alerta a professora Adriana Braga. – Por isso, é importante que os internautas saibam que, ao assinar o termo de compromisso, estão autorizando a transmissão de seus dados.
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Marina Cohen, do Globo