Não foi apenas mais um fim de semana esportivo para a imprensa brasileira. No sábado (7/12), os jornais noticiavam festivamente que a seleção de futebol havia escapado dos grupos mais competitivos, no sorteio que definiu as partidas para a primeira fase da Copa do Mundo de 2014. A equipe brasileira vai enfrentar Croácia, México e Camarões, o que implica menos risco do que jogar contra Espanha, Itália, Argentina ou Alemanha.
Embora exaltando as qualidades do time nacional, a imprensa demonstra estar ainda assombrada pelo fantasma da Copa de 1950, quando o Brasil perdeu a final para o Uruguai no estádio do Maracanã.
As reportagens sobre o sorteio promovido pela Fifa num resort do litoral da Bahia ocuparam as primeiras páginas e inspiraram cadernos especiais, ganhando a disputa com as notícias sobre a morte do líder sul-africano Nelson Mandela. Embora o entusiasmo dos editores não tenha sido acompanhado pelos anunciantes, o resultado são reportagens informativas e bem ilustradas, dando ao leitor uma visão panorâmica do que deverá ser a competição. Como disse o cronista Nelson Rodrigues, a seleção ainda é a "pátria de chuteiras".
O fervor com que o sorteio foi acompanhado pelos brasileiros, registrado pelas emissoras de televisão, com seus esquemas preparados para juntar desocupados ruidosos, teve sua contrapartida nas redes sociais, onde o desempenho físico da modelo e atriz Fernanda Lima ganhou disparado das análises técnicas sobre as chances do Brasil se tornar hexacampeão no ano que vem.
As discussões anteriores sobre a conveniência de ter atores negros como mestres de cerimônia se desvaneceram quando a loira atravessou o palco com seu decote generoso, colocando nos cadernos especiais a outra paixão nacional – o culto às celebridades.
Tudo isso poderia compor uma análise comunicacional sobre o esporte como instrumento de alienação das massas, ou sobre a competência da mídia na manipulação da simbologia popular. Mas a própria ideia de jornalismo exige que um dia se siga a outro, e então temos a segunda-feira (9/12).
Uma paixão selvagem
Na segunda-feira, as primeiras páginas dos jornais são ilustradas por cenas da violência extremada que marcou uma das partidas que encerraram o Campeonato Brasileiro de 2013. O carioca Vasco da Gama e o Clube Atlético Paranaense se enfrentaram no estádio de Joinville, em Santa Catarina, e ainda antes da metade do primeiro tempo a partida teve que ser interrompida, para que a polícia pudesse controlar uma batalha entre torcedores.
As cenas transmitidas pela televisão e reproduzidas em fotografias nos diários mostram um agressor portando um cano de ferro com prego na ponta, e pelo menos dois jovens desacordados sendo pisoteados nas arquibancadas.
As narrativas dão conta de incúria e despreparo dos responsáveis pela segurança do público, com a demora da polícia catarinense em separar os contendores. As reportagens destacam que havia apenas uma corda e cinco seguranças particulares separando os dois grupos.
De um lado, os torcedores do Atlético acumulavam um histórico de tumultos que já haviam causado a punição do clube, que foi impedido de jogar em seu próprio estádio e escolheu a cidade catarinense para a última partida. Do outro lado, a torcida organizada do Vasco da Gama, que tem um longo prontuário de crimes, entre os quais alguns linchamentos e homicídios. Atrás das arquibancadas, restos de uma obra deixavam à disposição dos criminosos pedras, canos e barras de ferro. A muitos metros de distância do ponto provável de um conflito, policiais agindo como espectadores.
Juntando-se os dois momentos produzidos pelo noticiário esportivo, temos um cenário que exige alguma reflexão.
No clima festivo que marcou o sorteio dos grupos para a Copa do Mundo, há sinais de que o brasileiro entrou no espírito da festa, o que pode transformar em potencial de conflitos o anúncio feito há dois meses, por organizadores das passeatas de protesto, de que vão promover manifestações nos dias de jogos das seleções.
Por outro lado, no noticiário sobre os incidentes em Joinville, sobram sinais de que os esquemas de segurança dos jogos de futebol precisarão ser repensados – se é que existem –, para considerar a possibilidade de grandes enfrentamentos nas ruas das nossas cidades daqui a seis meses.
Em fevereiro passado, quando o disparo de um sinalizador naval matou acidentalmente um menino boliviano, em jogo da Copa Libertadores, a imprensa tratou como facínoras os doze corintianos presos como suspeitos, afinal inocentados.
Vamos ver como serão tratados os vascaínos flagrados em tentativas de homicídio em Joinville.