Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Grandes coberturas, pouca polêmica

A reforma da poupança foi o principal assunto econômico na primeira quinzena de maio. No dia 13, quarta-feira, todos os grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo noticiaram as alterações definidas pelo governo: taxação das contas acima de R$ 50 mil e redução de impostos para os fundos de investimento. Nada oficial, até esse momento, mas a informação essencial foi a mesma em todas as coberturas. Na véspera, quando os jornais haviam coletado aqueles detalhes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda havia negado qualquer decisão a respeito do assunto. Ninguém explicou por que ele havia insistido em negar, mas na quarta-feira o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reuniu a imprensa para dar o serviço completo.

As propostas obviamente não haviam sido formuladas em dois ou três dias. Haviam sido estudadas longamente e estavam maduras para divulgação. As informações passadas à imprensa por fontes da área econômica não haviam sido meros balões de ensaio. Na quinta-feira anterior, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) havia defendido, na costumeira linguagem arrevesada, a reforma das contas da poupança, para abrir caminhos a novos cortes da Selic, a taxa básica de juros.

Uma fonte do Ministério da Fazenda, obviamente não identificada, chegou a acusar o pessoal do Copom de haver precipitado a discussão, como se o Executivo tivesse interesse em retardar o anúncio. Essa ‘acusação’ parece mais um capítulo adicional da briguinha permanente entre Fazenda e Banco Central do que qualquer outra coisa. De toda forma, seria interessante saber se a divulgação da proposta de mudança, na semana seguinte, foi precipitada por aquela passagem da ata. Ninguém parece ter lembrado esse detalhe.

Declaração grave

O noticiário sobre a mudança das cadernetas foi acompanhado de comentários de especialistas. Alguns, como o consultor Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, apareceram em mais de um jornal. As críticas principais pouco variaram: a reforma é incompleta, não elimina de fato o piso dos juros (as contas continuarão rendendo 0,5% ao mês mais a taxa referencial) e resolve apenas o problema do atual governo, porque a situação só ficará muito complicada quando a taxa Selic chegar a 7,25%. Ninguém projeta essa taxa até o fim de 2010. Vai sobrar para o próximo governo o trabalho de ir mais fundo na alteração do sistema.

Os jornais mencionaram a conveniência da reforma para o financiamento da dívida pública. Os aplicadores em fundos são os grandes financiadores e refinanciadores do Tesouro. Se migrarem para as cadernetas, rolar os papéis do governo ficará mais difícil. Mas, de modo geral, esse detalhe, apesar de importante, foi pouco destacado.

Teria sido interessante cobrar dos parlamentares da oposição mais detalhes sobre suas opiniões. De modo geral, os jornais limitaram-se a registrar suas críticas panfletárias à mudança proposta pelo governo – em alguns casos, com insinuações claramente desonestas de um confisco semelhante ao do Plano Collor. Umas poucas perguntas bastariam:

1. sua excelência reconhece ou não haver uma incompatibilidade entre juros fixos para as cadernetas e a política de redução de juros?

2. se reconhece, qual a sua proposta para a eliminação do problema?

3. se não reconhece, como imagina ser possível a redução da Selic além de certo limite, se as cadernetas continuarem proporcionando um rendimento mínimo de 0,5% ao mês?

Se os parlamentares simplesmente recusassem falar sobre o assunto, também isso seria uma informação interessante.

Não se trataria apenas de pressionar por birra. ‘Quem acreditou na poupança e pôs o dinheiro lá vai ter de tirar’, disse o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra. Vai ter de tirar? Essa declaração é grave. Frases como essa podem induzir poupadores a tomar decisões importantes e potencialmente custosas. Os jornais poderiam reforçar seu trabalho informativo cobrando explicações de quem faz uma afirmação tão forte.

Lições do esporte

O noticiário sobre a encrenca da Petrobras com a Receita Federal, outro grande tema da segunda semana de maio, poderia ter ido mais longe na discussão técnica do assunto. A empresa alterou durante o exercício a forma de contabilizar certas operações. Obteve com isso um crédito fiscal de R$ 3,9 bilhões, segundo as primeiras informações, ou pouco superior a R$ 1 bilhão, de acordo com declarações prestadas em seguida por gente da Petrobras. Os jornais mencionaram opiniões de advogados sobre o assunto e, segundo informações de escritórios especializados, há muitas empresas privadas na mesma situação. A Receita cumpre seu papel ao contestar o procedimento contábil da Petrobras, mas o assunto é sujeito a controvérsia.

Os jornais deram muito espaço à movimentação política em torno da encrenca e às manobras do PSDB para abrir um inquérito parlamentar sobre possíveis irregularidades da empresa. Essa cobertura, sem dúvida, era obrigatória. Mas teria sido esclarecedor avançar na discussão jurídica do assunto. Isso permitiria, por exemplo, avaliar se o Tribunal de Contas da União teria algum papel a desempenhar nessa controvérsia e se a interferência de um procurador federal seria justificável.

Quando juízes tentaram impedir demissões na Embraer e, depois, na Usiminas, a necessidade de ir mais fundo na informação jurídica ficou evidente. Afinal, demissões coletivas não são reguladas por lei, no Brasil. Mas a imprensa demorou a se voltar para o detalhe técnico. No fim, a posição das empresas prevaleceu, quando o assunto foi levado a uma instância mais alta, mas, até esse momento, a maior parte dos jornais limitou-se a cobrir o carnaval, deixando-se rebocar pelas personagens daquelas histórias.

Falta levar às demais editorias as práticas tradicionais e saudáveis das seções esportivas: quem escreve sobre um jogo ou sobre uma corrida não deixa de levar em conta os manuais de regras de cada esporte. O resto do noticiário ficaria muito mais interessante e mais informativo se os autores do material se lembrassem, por exemplo, de levar em conta o Código Penal, os Códigos de Processos, a Lei das Execuções Penais, a Consolidação das Leis do Trabalho e assim por diante. Seria uma forma de valorizar o dinheiro do leitor.

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Jornalista