Na avaliação do conselheiro da Anatel Marcelo Bechara, a discussão sobre o Marco Civil tem se dado de maneira “acadêmica” e “romântica”. Na visão dele, a questão deve ser tratada do ponto de vista econômico. “O Marco Civil da Internet não é uma carta de princípios. É uma legislação econômica”, afirmou ele durante o 27º Seminário Internacional ABDTIC na terça-feira (3/12), em São Paulo. “Não precisaria nem existir, boa parte está garantida na Constituição, mas é importante ter uma ressalva de princípios constitucionais”, diz. Segundo Bechara, o melhor texto que já existiu sobre Marco Civil foi a primeira proposta do governo. “Ali estava claro que a neutralidade era um princípio que viria depois a ser regulamentado.”
Hoje o Marco Civil reflete os interesses específicos dos diferentes agentes de mercado. “O jogo por trás disso tem grandes provedores de conteúdo, grandes redes sociais, ferramentas de busca internacionais. Do outro lado, tem as empresas de telecomunicações que são detentoras da infraestrutura; e ainda tem os produtores de conteúdo nacional.”
No entanto, ele afirma que a própria Anatel e as empresas de telecomunicações foram ausentes, do ponto de vista político, no começo do debate do Marco Civil. Isso porque a discussão teria sido conduzida por um grupo minoritário que, não necessariamente, representaria o usuário de Internet médio no Brasil. “Quem liderou e conduziu o debate do Marco Civil foram heavy users.”
Ele explica que, quando o debate sobre uma legislação para a Internet começou, o então PL 84/99, chamado de Lei Azeredo, recebeu fortes críticas pelos elementos de privacidade na redação do deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e que o levaram a ser chamado de “AI-5 Digital”. “As pessoas foram brigar contra o AI-5, e era uma sociedade civil de heavy users que pautou a discussão. A Anatel já tinha fama de capturada pelas teles, as teles tinham fama de prestar péssimo serviço e esse debate pautou o Congresso Nacional”, criticou ele. “Às vezes tenho dificuldade de enxergar essa sociedade civil, porque ainda são heavy users”, disse Bechara.
Neutralidade
Na opinião dele, o debate sobre neutralidade de rede também precisa olhar para o lado das empresas. “Não defendo o modelo das teles, mas também não acho que podemos entrar nesse negócio sem saber o jogo”, diz. “Não tem amador, são empresas de todos os segmentos, de internet, de telecomunicações e de conteúdo, com interesse econômico, e o cidadão fica no meio dessa história.” Ele critica, entretanto, as pessoas que exigem um modelo gratuito, pois os serviços como redes sociais e buscadores acabam trocando o uso pelas informações coletadas para publicidade direcionada. “Não existe almoço grátis”, compara. Para Bechara, a fiscalização da neutralidade do ponto de vista da infraestrutura já é feita ela Anatel. “Mas quem é que fará essa fiscalizaçÃo do ponto de vista de aplicações?”, pergunta.
O conselheiro da agência defende também a proposta de armazenamento de dados no Brasil feita pelo governo. “Porque o país tem potencial que interessa a essas empresas”, declara.
Votação
Bechara diz que não acredita que o Marco Civil consiga ser aprovado no Congresso ainda neste ano, mas que espera que essa questão já esteja resolvida até abril de 2014, quando o país sediará a reunião multissetorial global sobre governança da Internet. “Espero que, até lá, o Brasil aprove o Marco Civil, existe a questão do prazo (que tranca a pauta). Mas acho que neste ano não vai ser aprovado.”
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Bruno do Amaral, do Tela Viva