Os nossos empresários do jornalismo são estranhos. Eles não gostam do jornalismo, não acreditam no jornalismo, trabalham contra o jornalismo e, para não deixar dúvidas, odeiam com todas as forças os jornalistas. É uma forma estranha de ganhar dinheiro, solapar seu próprio negócio. Ou então a prova definitiva de que, afinal das contas, não é com a venda de jornais que eles aumentam suas fortunas pessoais na mesma medida que invariavelmente conduzem seus negócios para a bancarrota.
Ah, tem outra coisa que causa invariavelmente urticária nos empresários de comunicação no Brasil: leis. Eles não suportam se submeter a nenhuma regulação. A “lógica” que guia a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) – principal organização do empresariado de comunicação das Américas – é “lei melhor é lei nenhuma”.
São eles que retroalimentam a tese do fim do jornalismo. São os mesmos que abdicaram do jornalismo em nome do entretenimento e da espetacularização. São os que apelidaram a notícia de hardnews (dura e indesejável) e guindaram o entretenimento à condição de softnews (molinho e bom). São os mesmos que, ao contrário dos EUA, por exemplo, criaram um divórcio obscurantista e medíocre entre o negócio e as universidades e cursos que ensinam e pesquisam sobre jornalismo. Sim, adivinharam, são eles que reduziram o jornalismo contemporâneo a um arremedo do que era praticado no século 18, um festival de opinião conduzido por centenas de “colunistas” que substituíram os repórteres e editores em número e importância.
Pira do capital
Está certo, eles têm aliados e cúmplices, mas foram eles que transformaram suas empresas em partidos políticos. Por isso é difícil acreditar nos seus diagnósticos e vaticínios sobre o futuro desta atividade. Não se pode confiar nem na perícia, na capacidade de gestão ou análise sobre o porvir. É patético ver o segmento empresarial mover-se como moscas tontas em torno de uma luz que os cega, atordoa, e quase sempre os leva ao desastre. Nestes últimos tempos as palavras mais usadas para explicar, justificar ou anunciar medidas quase sempre drásticas são: crise do jornalismo.
Assustados com tecnologias que os coloca na necessidade de decidir se afinal estão no negócio do jornalismo ou no showbizz, eles recorrem, assim como os antigos gregos, à inexorabilidade do destino. Os deuses, afinal, estão tramando contra eles, pedindo sacrifícios. E eles prontamente atendem a estes vingativos seres e rapidamente fazem suas oferendas prediletas: jornalistas. Afinal, é para isto que servem estes tipos descartáveis que insistem em fazer jornalismo.
De tempos em tempos, jornalistas são colocados na pira do capital em nome da crise. O ritual assume variadas e criativas formas. Alguns simplesmente fecham seus negócios e vão embora para Miami. Outros, mais escrupulosos, “digitalizam” suas redações, ou seja, trocam a prosaica verificação e averiguação pelo mais barato “copia e cola”. Existem aqueles que, finalmente, assumem o mundo do circo. Mas o resultado é sempre o mesmo, jornalistas desempregados e população sem informação.
Função social
A vinda do principal jornal espanhol ao Brasil, El País, no entanto, parece demonstrar que existem ainda empresários que compreenderam que o jornalismo é uma necessidade social e que não foram eles, empresários de comunicação, nem mesmo nós, jornalistas, que inventaram esta forma peculiar e singular de relato. Os espanhóis acreditam, vejam só, que ainda existem leitores no Brasil. Mais do que isso, acreditam que existem anunciantes que apostam nestes leitores e, na contramão do pessimismo nacional, querem se instalar aqui. Mas eles podem? A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) acha que não. A representante nacional daqueles que odeiam jornalismo não quer deixar o El País vir. E usa um argumento inusitado: a lei. Sim, aquela mesma que eles odeiam, porque “regula”! Para evitar a concorrência internacional, os empresários se valem dos restos da Constituição que eles mesmos remendaram em 2001 para permitir a entrada de 30% de capital estrangeiro.
E a ANJ tem razão, eles precisam de 70% de capital nacional para poder se instalar aqui. É a lei que diz isto. Para isto a lei serve. Garantir aos mais fracos a proteção contra os mais fortes. O estado da lei é a superação do estado natural da barbárie. A mesma lei que a sociedade precisa para se proteger dos desmandos, erros e interesses escusos que podem acometer o “negócio” do jornalismo e da comunicação.
Mas o interesse do jornal espanhol é revelador. Traz alento para quem acredita no jornalismo e pode servir de estímulo para empresas brasileiras que desconfiam que esse pessimismo nacional é mais fruto de um cenário concentrado e vertical que viabilizou empresas sem o cacoete para a concorrência – e para a função social do Jornalismo – do que a decisão inexorável de um deus raivoso antijornalístico.
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Celso Schröder é presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) e vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas