Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Invasão’, um sofisma da elite brasileira

‘As idéias da classe dominante são, em qualquer época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material tem controle sobre os meios da produção intelectual.’ (BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do Pensamento Marxista, Rio de Janeiro/RJ, Ed. Jorge Zahar, 1983, p. 76)




Nos últimos meses temos visto a mídia noticiar, com grande alarido, que a Polícia Federal estaria ‘invadindo’ escritórios de advocacia. Muitas vezes é noticiado ou comentado pelas pessoas que a polícia ‘invadiu’ a favela, o morro, a ‘boca-de-fumo’. Temos que diferenciar quando a referência é meramente ilustrativa, pois não se faz um procedimento de busca e a conseqüente apreensão sem ordem judicial e sem procedimento criminal em curso (inquérito policial ou ação penal).


Em ouvidos leigos da população marginalizada e da sociedade civil organizada, a notícia de ‘invasões de escritórios de advocacia’ caiu como uma bomba, especialmente pelo prestígio e confiança de que goza a Polícia Federal. A Polícia Federal, de combate à corrupção, ao crime de colarinho branco, ao narcotráfico internacional, estaria violando prerrogativas dos advogados, logo eles, que ocupam papel importante na defesa de direitos individuais e coletivos ameaçados pela grande máquina administrativa do Estado, direitos essenciais para assegurar ao cidadão comum a defesa de seus direitos e interesses frente ao ‘Estado Leviatã’ de Thomas Hobbes.


Contudo, a realidade contada é muito diferente da realidade cotidiana do trabalho policial.


Princípios de transparência


A Polícia Federal, embora vinculada ao Poder Executivo, goza de ampla autonomia nas investigações policiais. Não há nenhuma incursão policial baseada em ideologia, crença ou raça. Na Polícia Federal da Constituição Federal de 1988, não existe ‘polícia-capacho’ ou polícia comprometida com interesses políticos.


A Polícia Federal não distingue, como dito, crença, raça, religião, partido, riqueza ou pobreza. Havendo indícios de autoria e materialidade, é deflagrada a ação policial pela instauração de inquérito. A partir da instauração, toda a ação da Polícia Federal é controlada por representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, que detêm o controle externo – e mesmo pelas ONGs, associações, sociedade civil e, com muito profissionalismo, pela imprensa escrita e falada. Das ações ainda participam, simultaneamente, diversos órgãos, como Receita Federal, INSS, Banco Central, por exemplo.


A atividade pública e privada, nessa se enquadrando o exercício da advocacia, deve ser pautada pela análise imparcial dos fatos e notícias, sem tomar nenhum partido, ao menos antes da bilateralidade da audiência.


Na forma preceituada sempre se pautou a Polícia Federal, pois é ínsito aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eu acresço, da transparência. Esta é a posição da Polícia Federal e que esperaria, por isonomia, a igualdade no tratamento.


Alegações genéricas


A perniciosidade e a potencialidade de dano à imagem de uma instituição do vulto da Polícia Federal é imensurável. O poder de convencimento de uma crítica genérica é muito próximo daquele fundado em dados concretos e palpáveis.


A nossa preocupação é que ‘uma mentira dita mil vezes torna-se uma verdade’, frase que é atribuída a Joseph Paul Goebbels, ministro da Propaganda Nazista, no ano de 1933, que não a escreveu sem razão.


Em nenhum dos 110 outdoors colocados em São Paulo, ou nos manifestos do ‘Movimento pela legalidade e contra o arbítrio e a corrupção’, ou nas inúmeras opiniões colocadas no site Consultor Jurídico na internet viu-se o nome de um advogado que tenha sido injustiçado. Ou o endereço objeto da ação arbitrária.


Apenas uma representação foi formulada perante o Ministério da Justiça e, pelo que, internamente, até agora se apurou, não houve nenhuma ilegalidade no cumprimento das ordens judiciais. Eu disse apenas uma representação. Que, de plano, por determinação do Exmo. Ministro de Estado de Justiça originou uma sindicância, iniciando-se a devida apuração.


As alegações genéricas e sem fundamentação partem da crença geral de que o Estado de Direito vale para os pobres, e não para os ricos, em sua grande parte industriais e empresários com efetivo trânsito entre as altas autoridades brasileiras, que pensam estar imunes ao paquiderme que é o nosso Estado, seja pela sua lentidão, seja pelo arcaico arcabouço jurídico recursal, judicial e administrativo-tributário.


Que apontem os erros


As acusações genéricas são levianas e mancham a imagem institucional e dos profissionais de alta qualificação e comprometimento pessoal que fazem do risco de vida diário a sua maior contribuição para um Estado mais justo e igualitário, e nunca para um Estado em busca de manutenção do poder político.


Num país como o Brasil, que, ao lado de Serra Leoa, tem a pior distribuição de renda do mundo, com um índice de corrupção semelhante ao que tinha há sete anos, grassa a impunidade e, assim mesmo, ainda querem amordaçar a Polícia Federal.


Repudia-se, assim, qualquer texto genérico sem apontamentos de erros específicos e técnicos da Polícia Federal e do nome dos profissionais prejudicados, que devem recorrer não apenas ao Ministério da Justiça, mas também ao Ministério Público e à Corregedoria-Geral da Polícia Federal.

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Delegado de Polícia Federal, pós-graduando em Defesa Social e Segurança Pública, pós-graduado em Direito Processual Civil, ex-assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça