Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As manifestações querem dizer algo, mas o quê?

Neste ano a Avenida Paulista se tornou cenário de cenas de violência, imagens que prendem a atenção e chocam e até mesmo rendem debates e audiência. A manifestação inicial pedia por um preço menor na passagem de ônibus que teria um aumento de 20 centavos totalizando R$ 3,20 resultando em R$ 12,00 no final do mês para o usuário comum. Fato que afeta parcela significativa da população levou pessoas a aderirem à causa dos protestos iniciados no dia 11 de junho pelo grupo Movimento Passe Livre (MPL). Outras alas além do transporte passaram a clamar pelo fim da corrupção e questionar a qualidade do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário em suas instâncias. Outra demanda foi a transparência dos custos da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 apontando que a necessidade maior são Saúde e Educação.

Na questão da passagem, a prefeitura completa o valor da mesma com subsídios, sem estes ela poderia ter um preço maior. Para que a mesma seja reduzida os impostos sobem e a carga tributária na cidade e país já são considerados altos além das inspeções que podem ser implantadas com a justificativa de se recuperar estes valores. Os serviços públicos pagos com os impostos são tidos pela população e até mesmo imprensa internacional de qualidade péssima pelo valor.

Canteiro de obras

No dia 21 de junho, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) noticiou que aprovou dois financiamentos, no total de R$ 2,3 bilhões, para as obras do Metrô do Estado de São Paulo. Nos últimos cinco anos o BNDES aprovou R$ 6,272 bilhões em empréstimos para o metrô paulista. O sistema metroviário é o melhor meio de transporte público, entretanto o preço da obra é alto e o tempo para realiza-la é extenso. Os ônibus sofrem com as condições viárias tortuosas da cidade e sua forma de manutenção. Além disto, o tráfico que já é intenso vem tendo um aumento em decorrência do apoio do governo às montadoras para vender milhares de unidades de carros ditos populares com preços altos focando na nova classe C, a qual chegou ao mundo do consumo recentemente e por vezes é incentivada pelos comerciais que fazem parecer que a aquisição de um automóvel é a entrada garantida para o Olimpo. A própria presidente da Petrobras Maria Graça Foster comentou em tom de anedota “acho lindo engarrafamento”.

Conforme a última revisão da Matriz de Responsabilidade, em abril, os gastos com a Copa do Mundo aumentaram em R$ 25,5 bilhões distribuídos entre verbas para estádios, mobilidade urbana, melhorias em portos e aeroportos e hoje está entorno de R$ 28 bilhões segundo o secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luiz Fernandes.

Em 2007, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, escreveu: “A Copa do Mundo será melhor quanto menos dinheiro público for investido. Essa equação norteia o projeto desde o início. Ao governo, em todos os seus níveis, caberá os gastos com obras que lhe dizem respeito. O investimento maior terá de vir da iniciativa privada.” Na verdade isto se converteu em obras financiadas com verbas estatais seja por isenção fiscal, investimento direto ou empréstimo bancário. Logo os orçamentos encareceram e os cronogramas foram estendidos, onde havia prazos se viam canteiros de obras. Denúncias de corrupção assolaram seu reinado acabou pedindo para sair e o posto foi assumido por José Maria Marín.

O orçamento para os Jogos Olímpicos de 2016 segue aumentando. Iniciou em R$ 5.630.303,00 em 2008 e está previsto para R$ 7.557.992,00 em 2016 conforme o estudo elaborado por Alexandre Sidnei Guimarães elaborado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Ministérios dos Esportes e do Planejamento e Banco Central tem dois orçamentos. No mesmo documento o orçamento é dividido em Cojo (Comitê dos Jogos), este se refere a evento, competições, cuidados com as delegações, medalhas, solenidades e demais assuntos, e não Cojo, o qual trata de obras de infraestrutura e telecomunicações, por exemplo. Ambos precisam ser atualizados conforme a progressão de obras e datas.

Dentro desta complexa equação há um “entrave” que delimita quais serão obras do PAC (Programa de Aceleramento do Crescimento) e o que não será. Até hoje não decidiram, por exemplo, se as obras do metrô são para entrar no orçamento de 2016 ou se deve ser contado em outra planilha.

O risco tanto da Copa quanto dos Jogos é terminar como o Pan de 2007 que teve um orçamento consideravelmente maior que o esperado e o número de benfeitorias foi o inverso. Outro mal que aflige tais eventos é a possibilidade de obras sem licitação ou fiscalização devida.

Segundo Guimarães, em seu relatório “Rio 2016, e Agora? Oportunidades e Desafios”: “Deve-se ressaltar que com investimento sério para a realização dos Jogos, assim como a participação de governo e de entidades civis, o Rio de Janeiro tem a chance de aproveitar a oportunidade para estabelecer metas de redução de desigualdades e de melhorias urbanas. Afinal, tanto a Copa do Mundo 2014 quanto os Jogos Olímpicos 2016 são eventos que podem alavancar crescimento (contudo, não é um milagre econômico) para o País e para a cidade.” Evitando o que foi feito na África do Sul e utilizando os modelos dos Jogos de Barcelona, o Brasil pode se beneficiar de tal equação, sendo assim o Pan 2007 seria uma experiência com erros que podem ser evitados para a Copa e os Jogos.

Além das áreas citadas acima, os aeroportos e portos não têm estruturas adequadas para as demandas hoje exigidas e ainda possuem qualidade questionável. O país racha com um colapso de sua infraestrutura a qual não é justificada dada sua riqueza que o faz pertencer aos BRICS e ser um player global e também a alta carga tributária. A proposta de cobrar maiores impostos dos mais abastados é uma saída simplória para o problema sendo que o país ainda não extirpou a corrupção que vem desde sua formação e nem faz uma avaliação profunda da composição de preço para obras e/ou serviços públicos.

A política econômica keynesiana pode ser aplicada nos EUA, tanto que é defendida pelo bilionário Warren Buffet, porém no Estado do hemisfério-norte as leis e o Sistema Judiciário são eficazes. No Brasil há muitas suspeitas de corrupção e o seu combate pode ser visto como necessário antes da implantação de Keynes.

O Brasil não busca e/ou ignora referências externas para grandes obras e é recorrente o surgimento de suspeitas de superfaturamento.

Rostos insatisfeitos

Muitos manifestantes são apontados por críticos como sendo de classe média pedindo por melhorias no transporte público, mas entre os rostos jovens apresentados na imprensa é possível ver pessoas de idade avançada e cartazes alertando para a situação nas periferias. Nas favelas posteriormente surgiram manifestações também, ali residem vozes que raramente são ouvidas pelos grupos de imprensa e comunicação.

Os rostos mascarados servem até de simbolismo para parte do apartidarismo que se vê nas ruas. A máscara de Guy Fawkes (1570-1606), soldado inglês insurgente contra a corte do rei Jaime I da Inglaterra, adotada do filme V de Vingança, inspirado na graphic novel de Allan Moore, denota a descrença dos jovens em representantes oficiais, em uma democracia na qual o eleito em muitas vezes não escuta seus anseios e apenas executa suas próprias vontades. Aqueles que estenderam bandeiras partidárias ouviram gritos para baixa-las e até mesmo foram agredidos. Outras alas aderiram aos protestos passando da extrema-direita à extrema-esquerda, em alguns casos há princípios de conflitos entre tais quadros e até aumentando suas vozes e presença.

Não há uma liderança clara formada como aconteceu no Movimento de Diretas Já e com os Caras Pintadas tornando o contingente em vários grupos horizontais e não de uma liderança verticalizada. Isto diminui as chances do surgimento de uma figura política oriunda deste momento, o que até pode ocorrer, mas não na escala das ações citadas anteriormente.

No passado recente as manifestações se deram contra um “inimigo” definido. Hoje o mundo é multipolarizado na economia e na política. Além do Passe Livre são vistos cartazes e é possível ouvir gritos pedindo além de Educação e Saúde pelos direitos dos homossexuais, indígenas e outras questões tidas como progressistas. No entanto é possível ver antigas lideranças políticas e até mesmo jovens aproveitando o momento para aparecer em redes sociais com seus Instagram como se fossem personagens de Game 3D. As gerações X e Y – e alguns baby boomers – têm nomes que se movem pelo narcisismo e isto em muito é fruto da insegurança, uma forma de auto afirmação em tempos incertos.

A falência das utopias e ideologias simbolizada com a queda do Muro de Berlim em 1989 pode ser visto como um marco de quando os governos migraram para o centro do espectro político, não apenas por moderação, mas em muitos casos em uma busca de poder pelo poder e dinheiro pelo dinheiro como acontece com muitos partidos no Brasil que perderam sua identidade. A esta formula se somam populismo e desigualdade social, duas chagas na América Latina e que se retroalimentam. Este bolo faz muitos jovens perderem a fé em lideranças políticas, o que leva para uma crise política.

As massas que foram para as ruas num segundo momento reforçaram a tendência de pessoas crerem mais na estrutura partidária. Os setores de esquerda além da redução da passagem pedem por outras questões sociais, enquanto os grupos de direita não chegam a 1 milhão e não conseguem coesão sendo que em alguns momentos não conseguem densidade maior em seus discursos além do que é pautado por alguns grupos de mídia e formadores de opinião. Participaram também movimentos direitistas pedindo impeachment da presidente Dilma e o fim da corrupção ecoando discursos de revistas e outros formadores de opinião.

Há anos não se via tamanha agressividade contra o patrimônio público, os organizadores do Passe Livre afirmavam que não apoiavam a violência até porque indivíduos podem não seguir o comportamento de um grupo, ao mesmo tempo a população geral pouco sabe como foram organizadas as passeatas, porém a dúvida não serve de prova. Após a volta nas tarifas o MPL decidiu por não seguir com as marchas. Os grupos conhecidos como Black Blocs aumentaram sua presença, têm sido repudiados nas redes sociais e também nas ruas por alguns setores. Para os críticos sua beligerância tira a legitimidade dos movimentos. Além dos Black Blocs, identificáveis pelas máscaras e roupas negras e de assumida ideologia anarquista, há infiltrados denegrindo os grupos e suas causas. A revolta e as diversas pautas apresentadas podem ser explicados pelo fato desta juventude não ter um posicionamento claro e não ter memórias da ditadura ou das greves de trabalhadores além da falta de relacionamento com a política além da interface das redes sociais. Entretanto, há tempos não se mobilizavam.

A Avenida Paulista é escolhida pelos manifestantes por ser a principal da cidade. É tida não só como centro econômico do Brasil, mas um símbolo das novas riquezas do país em relação à América do Sul. Portanto, existe um significado em marchar neste ambiente e ela cativa mais audiência do que militar nas vielas da periferia, as vozes dos pobres não chegam aos grandes veículos, salvo ocorra algum crime hediondo ou histórias que sirvam de “lição de vida” para o encerramento de telejornais. Entretanto, a avenida comporta mais de 8 hospitais que estão entre os melhores da região – até mesmo médicos se manifestaram nela contra os cubanos. As manifestações iniciadas no dia 3 de junho foram continuadas na famosa via três dias depois.

No início alguns jornais defendiam uma forte ação policial, a força chegou e pode ser observada em vídeos transmitidos pela televisão e internet e em fotos como a da repórter Giuliana Vallone da Folha de S.Paulo, e do fotógrafo Sérgio Silva, da Futura Press, ela voltará a enxergar, ele não. Outro relato mostra que a violência dos manifestantes também chegou aos jornalistas tendo a repórter televisiva Daiana Garbin e seus colegas de equipe como vítimas de agressão. Porém para o policial como é possível diferenciar um jornalista sem identificação de um manifestante? Nem o governo ou mesmo os próprios veículos providenciaram coletes para identificação. Depois dos casos citados os profissionais da notícia eram vistos com identificação.

A polícia em manifestações tem o papel de conter possíveis ou atos de vandalismo e demais crimes, porém quando reage com extrema violência aumenta as chances dos problemas aumentarem. No exterior, muitas passeatas são contidas com jatos de água e não com balas de borracha, cassetetes e spray de pimenta. É necessário vetar a ação de membros da polícia que propagam a violência de forma gratuita até mesmo para conter os pacifistas.

Os policiais do outro lado são também uma classe desassistida, o que não justifica a forma de sua atuação, porém observando este quadro ajuda a entender em parte sua ação. Salários baixos e equipamentos que, por exemplo, não os colocam em condições de combater grupos de crime organizado. Uma rotina estressante que chegou ao ponto de ebulição. Essas atitudes fazem questionar como é a preparação de tais homens e como são tratados, problemas que perduram por mais de décadas.

Novo começo

Muitos nas passeatas são jovens de classe média, acusados por alguns comentaristas de televisão de serem mimados, mas que no fundo são retrato de uma geração que pode estar começando algo maior e representativo mesmo que seja com muita raiva. Uma geração perdida em imagens e consumismo pisando no acelerador de um processo com inicio inesperado e sem foco político. Mas este ato isolado ainda é cedo para definir se ela tomará uma atitude política, enquanto provavelmente há quadros políticos se formando nestes dias – mesmo que não na intensidade do passado, o autor crê mais no surgimento de ativistas do que políticos profissionais.

Os bens públicos destruídos são um prejuízo à sociedade civil. Há aqueles pregando como sendo a corrupção o maior vandalismo e outros acreditam que com destruição de patrimônio a sua voz ecoa mais longe. Fato é que tais atitudes não podem ser negadas como capazes de serem mais eloquentes principalmente num mundo midiático. A maioria dos manifestantes tem pedido por ações pacíficas. Se as ruas debandarem para o “quebra-quebra” qualquer discurso perderá a validade. A própria imprensa dá mais atenção à violência do que as causas.

Mesmo multipolarizado é possível notar uma parcela da jovem classe média que quer encerrar temas que teriam de ser tratados em reformas políticas. Do outro lado políticos ficam presos a liturgias e burocracias e não organizam propostas mais detalhadas em respostas às questões das manifestações. Não há projeto e/ou ação de execução (implantação) a curto e médio prazo das resoluções. Entretanto, o que se vê são as faces conhecidas em discursos de teleprompter na televisão visando manutenção de poder e as eleições do ano seguinte.

O Brasil era tido no regime militar como “o país do futuro”, a crise econômica não atingiu o Estado como reverberou na União Europeia e EUA, mas o aumento de venda de automóveis e outros bens não conduziu à uma reforma política. O país ainda é em muitos momentos e territórios separado em capitanias hereditárias.

Portanto, há diversos lados nesta questão, uma complexidade que vai além de “eles e nós” ou “bem e mal”, mas que denota muitas falhas nos tecidos social, político e cultural. Até o momento muitos especialistas não conseguem indicar qual o rumo destas manifestações, porém ela pode se transformar em uma Quimera ou Hidra de Lerna, um ser deformado de muitas cabeças.

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Gabriel Leão é jornalista e mestre em Comunicação