Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Obama e o controle de sua imagem

A internet está agitada com o espetáculo do presidente Barack Obama e os premiês da Grã-Bretanha e da Dinamarca tirando fotos de si mesmos no funeral de Nelson Mandela na África do Sul. Sem discutir se o momento era apropriado ou não, ele captou a democratização da produção da imagem, que é a marca da nossa época repleta de engenhocas e rica em tecnologia. Claramente antidemocrática, por outro lado, é a maneira como o governo de Obama tem passado por cima da mídia, divulgando um registro visual esterilizado de suas atividades por meio de fotos e vídeos oficiais, em detrimento do acesso de jornalistas independentes.

A equipe de jornalistas que cobre a Casa Branca foi proibida de fotografar Obama no primeiro dia de trabalho, em janeiro de 2009. Em vez disso, foi divulgada uma série de imagens cuidadosamente selecionadas. Desde então, a imprensa só teve autorização para fotografá-lo sozinho no Salão Oval em duas ocasiões: em 2009 e em 2010. Imagens do presidente trabalhando, comuns em outros governos, nunca foram permitidas.

Hoje, um evento no qual o presidente trata de suas obrigações oficiais é definido arbitrariamente como “privado” e o acesso da imprensa é proibido. Um pouco mais tarde, é divulgada uma foto oficial na página do Flickr da Casa Branca ou pelo Twitter para milhões de seguidores. Privado? Não parece.

Esses eventos ditos privados incluem reuniões com líderes mundiais e outros visitantes de grande interesse público – atividades às quais os fotojornalistas deveriam ter acesso, como era costume. Em resposta a essas restrições, no mês passado, 38 organizações jornalísticas entre as principais e mais respeitadas do país, entre elas o New York Times, enviaram uma carta à Casa Branca protestando contra a diminuição do acesso aos fotógrafos.

O vice-secretário de imprensa, Josh Earnest, respondeu afirmando que a Casa Branca divulgou mais imagens do presidente durante o expediente do que qualquer governo anterior. “Ela atende perfeitamente bem o público por meio de um vibrante fluxo de fotos de bastidores disponíveis nas mídias sociais”, disse.

Imagem

Ele está redondamente enganado. As fotos oficiais distribuídas pela Casa Branca não passam de press releases visuais. Tiradas por funcionários do governo (em geral, antigos fotojornalistas), são vislumbres bem comportados, convincentes e até mesmo íntimos da vida do presidente. Elas mostram Obama em sua melhor luz, como seria de esperar de um governo extremamente consciente do poder da imagem numa época em que fotos e vídeos são imediatamente compartilhados.

De modo algum essas imagens são jornalismo. Ao contrário, elas propagam um retrato idealizado dos acontecimentos na Avenida Pensilvânia. Como conclusão lógica da prática, por que realizar coletivas à imprensa? Por que permitir aos repórteres o acesso à Casa Branca? Seria mais fácil dar apenas uma declaração diária do presidente, como seu pronunciamento semanal gravado em vídeo. E pronto. Os governos repressores fazem isto o tempo todo.

Os presidentes americanos tentam, frequentemente, controlar a maneira como são retratados – é fácil imaginar as restrições impostas para retratar Franklin D. Roosevelt em sua cadeira de rodas. No entanto, os presidentes anteriores reconheciam que permitir à imprensa um acesso independente às suas atividades era uma parte imprescindível do contrato social de confiança e transparência que devia existir entre os cidadãos e seus líderes.

Basta lembrar, por exemplo, o filho de John F. Kennedy espiando em baixo da escrivaninha do pai. Ou Richard Nixon fazendo com os dedos o V da vitória ao deixar o cargo em desgraça. Ou Ronald Reagan acenando de uma janelo de hospital depois de uma cirurgia de câncer para assegurar os EUA que estava bem. E o espanto estampado no rosto de George W. Bush ao ser informado dos ataques de 11 de setembro e seus comentários para resgatar os operários nos escombros do World Trade Center, dias mais tarde.

É verdade que os fotojornalistas conseguem captar gafes embaraçosas, como o tropeço de Gerald Ford nos degraus do Air Force One ou Bush tentando abrir uma porta trancada numa coletiva na China. Essas imagens mostram que o presidente americano também é um ser humano – fato surpreendente.

Restrições

Permitir o acesso da mídia e fornecer fotos oficiais não são coisas mutuamente excludentes. Os veículos de imprensa podem escolher (como o Times faz, vez por outra) usar uma foto oficial, quando seu valor de notícia é válido e a foto é tomada em um lugar logicamente proibido aos jornalistas, como a ala residencial da Casa Branca.

Contudo, a Associated Press rejeita a grande maioria das imagens distribuídas pela Casa Branca, porque mostram atividades válidas como notícia de importância para o público, em locais onde, na nossa opinião, os jornalistas deveriam ter acesso.

Enquanto a Casa Branca não modificar suas restrições draconianas ao acesso dos jornalistas ao presidente, os cidadãos, que sabem lidar com a informação, também devem saber usar as fotos distribuídas por aquilo que são: mera propaganda.

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Santiago Lyon é diretor de fotografia da Associated Press