A vitória governista na maioria dos municípios venezuelanos após as eleições locais de domingo não foi suficiente para o presidente do país, Nicolás Maduro, dar uma trégua nas críticas a supostos opositores. Maduro propôs um boicote ao jornal El Nacional, um dos maiores da Venezuela. O presidente acusa a publicação de mentir sobre os resultados do pleito municipal. O alvo do desagrado de Maduro foi a capa do jornal, que, em sua cobertura sobre as eleições, afirmou que “a oposição avançou nas grandes cidades”. “A população da Venezuela deveria declarar um boicote ao El Nacional e não comprá-lo nunca mais… por castigo, castigo cidadão, por mentir”, criticou Maduro durante um ato público no estado de Miranda, que é governado por seu rival Henrique Capriles.
Mas, se para o chefe de Estado o jornal mentiu e deve ser castigado pelo povo, para o diretor e dono do diário, Miguel Henrique Otero, a manchete de segunda-feira (9/12) está baseada em “dados do Conselho Nacional Eleitoral que mostram que 51% dos eleitores votaram pela Mesa de Unidade Democrática (MUD) e outros candidatos, que não são chavistas”. “Os números do CNE confirmam que 49% dos eleitores optaram por candidatos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PUSV) e seus aliados. Mas temos 51% que preferiram candidatos opositores, muitos dos quais são chavistas dissidentes que não estão de acordo com Maduro”, explicou Otero, em entrevista ao Globo.
Otero e os editores do El Nacional somaram o percentual obtido pela MUD com o alcançado por outros candidatos opositores e assim chegaram a um 51% de votos anti-Maduro. “A declaração do presidente tem mais a ver com sua frustração do que com qualquer outra coisa”, enfatizou Otero, que acredita que a MUD assumiu uma atitude derrotista. “Mais da metade dos eleitores votaram por candidatos que não são do governo e isso enlouquece Maduro”, afirmou o diretor do diário.
Os chavistas conquistaram o maior número de prefeituras – 196 – e de votos – cerca de 49%. A oposição arrebatou o comando de apenas 53 cidades, mas, entre elas, estão os principais centros urbanos, de maior peso político no país, como Caracas, Maracaibo, Valencia e Barquisimeto.
Ataques à imprensa
Esta não é a primeira vez que o presidente ataca o jornal, um dos poucos meios de comunicação que o Palácio Miraflores ainda não conseguiu silenciar. Desde abril passado, o El Nacional não consegue autorização do governo para importar papel de jornal e seu estoque, segundo Otero, não chegaria a março de 2014.
Em julho, o diretor do El Nacional teve suas contas bancárias pessoais congeladas por solicitação da Procuradoria Geral, que o investiga por um processo movido por um ex-prefeito. Um mês depois, um tribunal multou a publicação, além do jornal Tal Cual, por terem difundido, em 2010, uma fotografia polêmica que mostra corpos empilhados no Instituto Médico Legal de Caracas. Os meios também foram proibidos de publicar imagens de conteúdo violento, armas, agressões físicas e cadáveres. “Não é a primeira vez que somos atacados, não vamos modificar nossa posição. Continuaremos apelando das decisões da Justiça e esperando que nos autorizem a compra de papel”, disse Otero.
Maduro tem realizado várias ofensivas contra os meios de comunicação. Nos últimos meses, criou um órgão estatal para fiscalizar a imprensa e incentivou a punição de publicações e jornalistas que atentassem contra a segurança nacional – sem estabelecer os critérios para essas sanções.
Nos primeiros meses do governo, o canal Globovisión foi vendido a empresários locais, e o grupo de jornais da Cadena Capriles foi repassado à corporação inglesa Latam Media Group. Durante esse tempo, aumentaram os questionamentos, ameaças e processos contra os meios de comunicação, especialmente contra os poucos independentes que restam na Venezuela (com agências internacionais).
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Janaina Figueiredo, do Globo