Louça suja na pia, torneiras vazias e gente tomando banho de canequinha sempre foram cenas comuns na imprensa catarinense no verão. Neste ano, quando um número incontável de turistas voltou para casa antes do previsto devido à falta d’água em cidades como Florianópolis, a coisa esquentou.
Alguns dos veículos que, por miopia editorial ou interesse comercial, costumavam focar a cobertura no “agito”, no “glamour” e nas “belezas naturais”, para citar três termos usados à exaustão, ajustaram o foco e agora exibem um noticiário com menos glitter, mais na linha “a vida como ela é”.
Sobraram críticas ao governo estadual, o que é pouco comum nos jornais e tevês locais, e instalou-se um pseudodebate sobre as responsabilidades das estatais de água e luz, das prefeituras, do setor hoteleiro e dos moradores no problema da falta d´água.
Em meio às discussões, um comentário do colunista Moacir Pereira, do grupo RBS, o maior do estado, repercutiu mal nas redes sociais. Ao cobrar o fim do “turismo predatório” em seu blog, ele criticou o que chamou de “visitantes de baixo nível”, aqueles que “consumirão muita água e poucos produtos locais”.
“Em cidade turística, o aluguel de casas é regulamentado. Tem que registrar na prefeitura, pagar taxas e cumprir normas higiênicas etc. Aqui é uma bagunça geral. O sujeito tem uma casa para quatro pessoas, muda-se com a família para o rancho e coloca até 15 turistas. Sem instalar sequer uma cisterna. Visitantes de baixo nível, consumirão muita água e poucos produtos locais”, escreveu, em 2 de janeiro.
Miseráveis
Esta não é a primeira vez que um colunista do grupo é criticado nas redes sociais e nas rodas acadêmicas por fazer comentários envolvendo classes menos favorecidas.
Em 2011, em caso com repercussão nacional, o comentarista Luiz Carlos Prates disse, em participação ao vivo no Jornal do Almoço, após notícia sobre acidentes de trânsito, que “hoje qualquer miserável tem um carro”.
“O sujeito jamais leu um livro, mora apertado em uma gaiola que hoje chamam de apartamento, não tem nenhuma qualidade de vida, mas tem um carro na garagem. Este camarada, casado, como não suporta a mulher, nem a mulher suporta ele, sai, vão para a estrada, vão se distrair, vão se divertir. E aí, inconscientemente, o cara quer compensar suas frustrações com excesso de velocidade”, frisou.
Dias depois, com a repercussão negativa, declarou que considerava normal o cidadão querer ter um bem como um carro, e que fez o comentário porque, sendo formado em Psicologia, sabia que o endividamento era a razão de muita briga de casal. Não adiantou. Saiu da empresa.
Prates trabalhava no grupo havia mais de 20 anos. Além da participação no Jornal do Almoço, tinha programa de rádio e coluna em jornal. Já havia feito incontáveis comentários polêmicos, mas o dos “miseráreis” que têm carro o derrubou (ver aqui). Oficialmente, colunista e empresa disseram que a saída foi uma decisão “conjunta”.
Mendigos
O termo “visitantes de baixo nível”, usado na cobertura da falta d´água, talvez tenha sido amplificado porque, recentemente, registrou-se em Florianópolis uma onda de protestos contra mendigos, o que envergonhou muitos moradores e deixou uma espécie de ferida aberta.
Os atos foram organizados por um grupo de comerciantes da praia de Canasvieiras, uma das mais visitadas da cidade, que alegava temer que os moradores de rua espantassem os turistas.
A primeira manifestação, em 26 de novembro, foi flagrada por uma equipe daFolha de S.Paulo que estava na cidade para acompanhar a visita da presidente Dilma Rousseff (ver aqui). Em um dos cartazes fotografados pela reportagem, lia-se “fora mendigos”.
Apesar da repercussão negativa, o grupo fez outros três protestos. No último, em meados de dezembro, foi repreendido por estudantes que, na mesma hora e local, fizeram uma manifestação “pró-mendigo”, acusando os comerciantes de tentarem fazer uma “uma faxina social”.
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Jeferson Bertolini é repórter e mestrando em Jornalismo