Na opinião de Erik Wemple, crítico de mídia do Washington Post, uma das maiores frases de 2013 partiu do jornalista da CBS News Bob Schieffer. Quando o ex-editor-executivo do Post Leonard Downie Jr. perguntou a Schieffer como estava a administração do presidente Barack Obama em termos de abertura em relação à mídia, ele respondeu: “Quando me perguntam qual é a administração mais manipuladora e secreta que cobri, eu sempre digo que é a que está no poder. Cada administração aprende com a anterior. Elas se tornam mais secretas e são cada vez mais restritivas com as informações. Este governo exerce mais controle do que o de George W. Bush, e o dele mais do que o anterior”.
A reflexão de Schieffer fez parte de um relatórioescrito por Downie e publicado pelo Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ) em outubro. O documento citava as acusações contra a administração de Obama em relação à transparência da mídia, incluindo o número assustador de investigações de vazamentos desde 2009, o grampo de registros telefônicos de jornalistas da AP e o estranho procedimento legal acusando o repórter da Fox News James Rosen de ser um “ajudante, cúmplice e/ou conspirador” de um réu acusado de vazamento. O relatório foi publicado antes do lançamento de uma campanhade organizações de mídia pedindo mais acesso de seus fotógrafos aos eventos presidenciais.
Teto de vidro na CBS News
Wemple traz, entretanto, uma outra reflexão: como anda a transparência das organizações de notícias que exigem transparência do governo? A começar pela CBS News e seu programa 60 Minutes. No dia 27/10, o programa exibiu uma informaçãofalsa sobre um ataque terrorista ao complexo diplomático americano em Benghazi, na Líbia. O erro resultou no afastamento da correspondente Lara Logan e do produtor Max McClellan (que voltarãoao trabalho este ano). Na reportagem, Lara entrevistou Dylan Davies, um profissional de segurança que disse ter testemunhado o episódio que matou o embaixador Christopher Stevens e três outros americanos em setembro de 2012. Davies, que treinou guardas de segurança para o Departamento de Estado dos EUA, disse que, na ocasião, escalou uma parede, bateu em um terrorista com seu rifle e viu Stevens morto no hospital.
Quatro dias depois da exibição do programa, entretanto, o Washington Post relatou que Davies teria contado a alguém de sua equipe que não estava em Benghazi na noite do ataque, contradizendo a matéria do 60 Minutes. A equipe do programa ainda manteve, por alguns dias, a defesa de sua versão dos fatos, até que mais um jornal desmentiu Davies. No início de novembro, o New York Times revelou que o técnico de segurança havia contado ao FBI que não esteve no complexo americano em Benghazi, ao contrário do que havia dito a Lara Logan na entrevista. Michael Calderone, do Huffington Post, também havia pressionado a CBS News sobre as discrepâncias. Após críticas internas e públicas, a emissora e Lara Logan admitiram o erro ao vivo. Além de Lara e seu produtor terem sido brevemente afastados, foi dado início a uma investigação interna sobre o ocorrido.
Wemple indaga: “Esse é um modelo de transparência jornalística? Talvez a melhor maneira de responder à questão seria a de representar uma hipótese: como os meios de comunicação tratariam a Casa Branca caso ela se recusasse a responder a perguntas sobre um suposto escândalo e, em seguida, negasse o escândalo para, no final, reconhecê-lo diante das evidências?”.
Quando David Carr, colunista de mídia do New York Times, procurouJeff Fager, produtor-executivo do 60 Minutes e presidente da CBS News, para saber sobre as críticas recebidas pela cobertura do programa em relação à NSA, recebeu como resposta que ele não falaria “on the record”.
A correspondente da CBS News Sharyl Attkisson, defensora da transparência, escreveu no Twitter diversas vezes sobre a “não resposta” da Casa Branca sobre os pedidos de informação e fotos do ataque em Benghazi. “Como jornalista, não acredito que a administração esteja escondendo algo em particular. Eles apenas não acham errado escolher quem tem acesso à informação pública”, escreveu ela na rede social.
Mas, nos últimos meses, diz Wemple, Sharyl tem escolhido a quem dar informações. Em uma entrevista a uma rádio em maio, ela falou sobre invasões nos seus computadores do trabalho e de casa. Em junho, a CBS News confirmou a informação, mas se negou a identificar a empresa que fez o diagnóstico das invasões. Na rede social, Sharyl foi indagada divesas vezes sobre o assunto, disse que tinha alguma ideia de quem poderia ser responsável, mas não forneceu mais informações.
Situação não muito diferente na Fox News
A Fox News também tem práticas questionáveis envolvendo transparência. A emissora já foi acusadade colocar profissionais “na geladeira”, favorecer outros e plantar informações. Uma história curiosaaparece no livro do jornalista David Folkenflik, Murdoch’s World (O Mundo de Murdoch): em 2008, um repórter do jornal Crain’s New York Business que apurava uma matéria sobre o sucesso de audiência da CNN, que havia batido a Fox News no horário nobre, recebeu uma dica falsa de alguém que se dizia da emissora. O jornalista acabou publicando a informação, que foi negada pela Fox. A matéria perdeu o foco e o debate acabou se concentrando na história sobre uma informação falsa espalhada sobre a Fox News.
A tirania das declarações
As emissoras comunicam-se muito por meio de declarações. Se alguém diz algo extremamente estúpido, o resultado tanto pode ser o silêncio ou uma declaração de duas a três frases.
Em novembro do ano passado, Martin Bashir, da MSNBC, falou de maneira ofensiva como achou que Sarah Palin merecia ser tratada por ter comparado a dívida pública à escravidão. No programa seguinte, Bashir fez um pedido de desculpas pelo que falou. Mais tarde, entrou de férias, de acordo com um porta-voz da rede. Quando a pressão intensificou-se, a MSNBC emitiu a seguinte declaração: “Martin Bashir assumiu a responsabilidade publicamente por seu comentário ofensivo e também pediu desculpas pessoalmente à família Palin. Bashir ofereceu um pedido de desculpas sincero na MSNBC no início desta semana, no qual ele admitiu que foi uma falha pessoal (…) e se comprometeu a elevar o discurso daqui para frente”. Como as críticas não diminuíram, o jornalista acabou deixando o cargo, o que foi seguido de outra declaração do presidente da MSNBC, Phil Griffin.
Na opinião de Craig Silverman, editor da seção Regret the Error, do Instituto Poynter, se uma pessoa pública, ou que ocupe um cargo de destaque em uma empresa, faz comentários completamente inadequados, repugnantes e inaceitáveis, a expectativa é que sua organização reaja de forma rápida e eficiente. Isso é o que se espera também em companhias de mídia; mas, diz Silverman, quando essas mesmas coisas acontecem em alguns órgãos de comunicação, a liderança geralmente demora a fazer algo.
O silêncio da AP
A Associated Press teve um grande ano no que se refere à transparência do governo, trazendo à tona o escândalo dos grampos telefônicos do Departamento de Justiça e desempenhando um papel importante na cobrança de mais acesso de fotojornalistas ao presidente. No entanto, quando o repórter Richmond Bob Lewis publicou um relatório em grande parte errôneo sobre o então candidato a governador da Virgínia Terry McAuliffe, a agência ficou quieta. Ao fazê-lo, escondeu-se atrás de uma proteção que permite que uma organização de notícias abstenha-se de comentar sobre os percalços graves que desencadeiam ações disciplinares. A AP acabou demitindoLewis e outros funcionários no episódio, mas não explicou como ele aconteceu.
Uma outra situaçãoenvolvendo a AP e outros veículos ocorreu dois dias depois do atentado na maratona de Boston. A agência divulgou a informação de que uma prisão deveria ser anunciada em breve – que acabou se mostrando falso. Desta vez, a AP publicou uma correção com detalhes explicando o que a levou a divulgar a informação incorreta.
São vários os exemplos onde não há transparência nos meios de comunicação. Como é difícil medir algo como transparência, também não é fácil avaliar para qual direção os veículos de mídia seguem.