Estados Unidos. Décadas de 1940 e 1950. Guerra Fria. Macarthismo. Perseguição a qualquer elemento remotamente relacionado ao comunismo. Carpinteiros sindicalizados no Missouri entram em greve contra sua empregadora, uma fabricante de cerveja. São então acusados de violação ao direito concorrencial, por impor restrições ao comércio. A Suprema Corte julga que não se trata de ilícito concorrencial, mas de disputa relativa ao direito do trabalho.
França. 1998. Globalização efervescente. Liberalização do comércio internacional. O Estado recusa a importação de amianto e produtos derivados originários do Canadá, que o acusa de impor restrições ilícitas ao comércio internacional. A Organização Mundial do Comércio julga que não se trata de medida para lesar a livre-concorrência, mas para garantir “a proteção da vida e da saúde humanas”.
Brasil. 2013. Revolução digital. Expansão do acesso à internet. Fragilidade dos direitos autorais. Volatilidade da remuneração dos autores de obras literárias, artísticas e científicas. As associações que congregam autores e titulares de direitos conexos gerem de forma coletiva o patrimônio musical do país. Alega-se que deveriam competir entre si por quem oferece música mais barato. O Judiciário ainda não proferiu decisão definitiva sobre a questão.
Nos dois primeiros casos, as cortes reconheceram que estavam em xeque direitos sociais, o que afastava a aplicação do direito concorrencial. Espera-se que as cortes brasileiras decidam o mesmo na disputa relativa aos direitos autorais.
O fato de direitos sociais terem um conteúdo econômico não justifica a aplicação pura e simples de um critério mercantil. É preciso balancear a proteção às diferentes gerações de direitos humanos. Aprender com os erros do passado.
Contrapartida justa
O fato é que o Brasil sempre adotou instrumentos jurídicos aptos à defesa dos direitos dos criadores. Nesta era digital, há uma avalanche de tentativas de provedores de conteúdos de disseminar a ideia de flexibilizações, dirigismos e ingerência nos direitos e garantias individuais consagrados na Constituição. Somos invadidos por conceitos estranhos ao nosso ordenamento jurídico e às convenções internacionais. Nada ocorre por acaso. Vejamos.
Enquanto o Brasil adotou institutos antropocêntricos para garantir ao criador a gestão de sua obra, outros países, principalmente os anglo-saxões, criaram uma estrutura jurídica, o “copyright” (direito de cópia). Não ratificaram algumas convenções internacionais e, de forma diversa aos ordenamentos jurídicos de natureza antropocêntrica, criaram instrumentos mais afetos ao objeto da criação (a obra).
Em outras palavras: o direito de autor cuida de remunerar os criadores, enquanto o “copyright” trata de remunerar o uso da obra.
Agora, os idealizadores da política flexibilizatória (“copyleft”, “creative commons”, “free digital world”) escolheram o Brasil para afirmar que os direitos dos criadores e demais componentes da cadeia produtiva da cultura estão obstando nosso povo de ter acesso a tais conteúdos culturais. Semeiam a rebeldia dos tolos, que se esquecem de que pagam por todos os conteúdos –links de acesso, mídia digital, contas telefônicas. Pagam por absolutamente tudo, sem saber.
O que se pretende, sob a desculpa de permitir acesso à cultura, é criar mecanismos de controle da produção intelectual, despojando os titulares de direitos de sua razão de viver. Consultas são feitas de maneira dirigida, com a participação inarredável dos defensores da “cultura livre”, alguns imbuídos de má-fé e outros de ingenuidade, que nem sequer percebem que já pagam indiretamente por aquilo que imaginam ser o livre acesso à cultura.
É preciso cuidar da cultura, permitindo que os criadores recebam o justo pelo uso de suas criações, sob pena de criarmos um imobilismo (quando não dirigismo) cultural.
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Roberto Corrêa de Mello, 56, é presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus); Naíma Perrella Milani, 24, é advogada