A violência, em algumas de suas muitas formas, é um dos temas dominantes na imprensa na semana que se inicia. A brutal revelação de que o sistema carcerário do Maranhão não é melhor do que a maioria das outras prisões brasileiras produz uma enxurrada de textos com as obviedades que se repetem a cada rebelião. Voltam às páginas as mesmas opiniões sobre falta de investimento, lentidão da Justiça e ineficiência da reclusão como forma de coibir o crime.
A questão do sistema penitenciário já é, de si, bastante complexa. Então junta-se ao tema geral a volta das chacinas, modalidade tipicamente paulista de lidar com a violência: suspeita-se que as doze mortes ocorridas na cidade de Campinas em apenas quatro horas tenham sido produzidas por policiais militares, em represália pelo assassinato de um soldado, baleado numa tentativa de assalto.
Para completar o quadro, autoridades e administradores de shopping centers acabam por criminalizar a prática do “rolezinho”, espécie de happening cultural criado por adolescentes da periferia paulistana para suprir a falta do que fazer nas férias.
Os três eventos, juntados nas edições de terça-feira (14/1), demonstram a dificuldade que tem a imprensa para compreender certos fenômenos do nosso tempo. De resto, o espanto da mídia tradicional também reproduz a distância que se criou entre a sociedade brasileira e as entidades que deveriam representá-la.
São acontecimentos cujas raízes estão imbricadas entre si, e suas conexões podem ser pesquisadas no noticiário dos jornais.
Nos presídios paulistas, a onda de motins e assassinatos que perturbaram o mandato do falecido governador Mário Covas Jr. foi “resolvida” em 2002, com a eliminação física de líderes de facções criminosas e a entrega do sistema penitenciário ao grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital.
A consolidação do poder do PCC nas comunidades pobres, de onde o Estado se retirou há décadas, deixa os jovens à mercê do arbítrio dos bandos de criminosos e de policiais corruptos ou despreparados. Quando saem de seus guetos, esses jovens são vistos como ameaça.
A violência institucional
O quadro é complexo mas pode ser compreendido à luz das desigualdades sociais. Evidentemente, os analistas conservadores hão de considerar que qualquer referência à perversidade do sistema social é parte do palavrório esquerdista que tenciona demonizar o capitalismo, mas não se pode fugir às evidências de que a presença de qualquer grupo com mais de três jovens da periferia deixa nervosos os seguranças dos centros de compras ou os policiais que fazem a ronda na Avenida Paulista. Sem opções de lazer em suas comunidades, esses protagonistas da cena urbana têm que ir a algum lugar para exercer sua sociabilidade.
O evento específico do “rolezinho” é filho do happening criado por artistas plásticos nos anos 1960. O sistema de convocação pelas redes sociais tem origem nas festas rave de Londres, prática iniciada nos anos 1990, quando os jovens começaram a ocupar espaços públicos e privados para encontros musicais quase clandestinos, depois que esse tipo de evento foi limitado pelas autoridades inglesas.
Com o advento das redes sociais e a popularização dos telefones celulares com acesso à internet, a convocação dessas reuniões se torna mais fácil e imediata.
Qual é a diferença entre marcar um encontro coletivo num shopping e juntar mil pessoas dispostas a tirar a roupa num parque para aparecer numa fotografia? O que diferencia essas práticas é a expectativa de que toda reunião de jovens de baixa renda vai degenerar em saques, depredação e violência. Num dos casos, a autoridade irá providenciar segurança para que os participantes não sejam perturbados. No outro, vai tratar todos como bandidos.
Não se pode esperar que os analistas referendados pela mídia tradicional, ou pelo menos a maioria deles, conduza o debate para a questão da violência institucional, que vai da arbitrariedade policial aos mal dissimulados preconceitos que ainda marcam as relações sociais no Brasil.
Interessante observar também que os protagonistas dos “rolezinhos” são parte da nova classe de renda média, cujo poder de consumo sustenta o andar de cima da sociedade brasileira.
Acontece que são quase todos meio escurinhos…
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Por que os ‘rolezinhos’ assustam – L.M.C.