Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imparcialidade tendenciosa

O que é melhor para a saúde? Um alimento orgânico, pouco desenvolvido e com aparência rudimentar, ou um produto grande e bonito, cultivado com o uso de agrotóxicos e modificado geneticamente? Quem conhece um pouco de saúde sabe que a resposta é uma só: o produto orgânico. Mas para o leigo, que compra em supermercado, o que importa é o preço, o tamanho e o visual. Acaba comprando gato por lebre. Qualquer semelhança dessa situação com a política ou outras atividades ligadas ao comportamento humano não é mera coincidências. As pessoas, pelo menos a maioria delas, baseiam suas opiniões e atitudes às aparências. E este é o principal motivo dos seus erros e equívocos. Olham a embalagem, e não a qualidade do produto. Falta-lhes informação adequada.

Faço essas referências para chegar ao assunto que me levou a escrever este artigo: as críticas feitas através da imprensa pelo pagamento de diárias ao presidente do STF, Joaquim Barbosa, a fim de que ele realize palestras na Europa. E a principal crítica é de que elas acontecerão durante o seu período de férias. Isso significa rasgar um travesseiro de penas em meio a uma ventania. Explico. Tudo o que foi divulgado leva a pensar que Barbosa pretende usar dinheiro público para atender interesse pessoal, estando de férias. Aí, porrete no Barbosa. De tudo que é lado. Da imprensa, da OAB e especialmente do PT. Este último por razões óbvias. A ponto de comparar as viagens do presidente do STF com as de Renan Calheiros, estas sim, usadas para fins políticos e pessoais, como implante de cabelo.

Passado o impacto inicial, sabe-se agora que Joaquim Barbosa, para realizar as palestras, irá interromper as férias. O que justifica a utilização das diárias pagas pelo STF. E outra. Que sua participação é oficial, representando a suprema corte brasileira. Em Paris, ele falará sobre influência da publicidade das sessões do Supremo, transmitidas ao vivo pela TV Justiça, na racionalidade das decisões do tribunal. Em Londres falará sobre o funcionamento do STF, em colóquio organizado pelo King’s College de Londres. Tudo dentro da maior legalidade.

Objetivos escusos

E agora? Como catar todas as penas espalhadas? Não tem como! Bater em Barbosa indevidamente, mais do que uma injustiça com o justiceiro, como ficou conhecido pelos brasileiros, é um ato covarde. Que arranha não apenas a sua imagem, mas principalmente a credibilidade da Justiça brasileira. Óbvio, se nem o presidente do STF é confiável, como acreditar nos demais integrantes do poder judiciário? Tudo isso para quê? Melhor, por quê?

Várias são as possibilidades. Cito algumas que, no meu entendimento, influenciaram nas críticas que hoje se sabe, indevidas. A primeira é os ciúmes e o preconceito, de ver um negro na presidência do STF. E bem sucedido. A ponto de ser lembrado espontaneamente como candidato à presidência da República. Depois, por vingança. Do PT e dos mensaleiros presos. Para quem não ficou sabendo, a filha de José Genoíno foi a primeira a condenar Barbosa pelas viagens. E, finalmente, a demagogia da mídia de tentar provar sistematicamente sua independência e sua isenção crítica. Se algo está errado, nem que seja o presidente do STF, tem que ser crucificado. E aí dê-lhe aplicar a velha tática do bate primeiro (faz virar notícia) e explica (mesmo que tenha que se retratar) depois.

Neste último caso, a destruição da imagem de uma pessoa é considerada mero acidente de percurso. Não é! Ninguém tem o direito de ferir a honra de um inocente. Nem mesmo a imprensa. Existe uma distância muito grande entre neutralidade e imparcialidade, embora as palavras sejam sinônimas. Neutro é ser justo. Imparcial é não ter preferência. No caso de Joaquim Barbosa a preferência foi a notícia, e não a verdade. Inadmissível. Até mesmo no Brasil. O presidente do STF, por sua atuação e competência, é admirado não apenas no Brasil, mas também no exterior. É o juiz que provou que no Brasil não é só ladrão de galinha que vai para a cadeia. E que um negro pode muito. Até mesmo ser presidente da suprema corte do seu país e, quem sabe um dia, presidente da República. E isso é muito mais importante do que vender jornal ou conquistar pontos no Ibope.

Ao tentar mostrar sua imparcialidade tendenciosa, a imprensa contribui para o alcance de objetivos escusos de pessoas e instituições pouco confiáveis, onde o que mais importa é o interesse pessoal, financeiro ou político, e não o interesse público. Voa, Joaquim Barbosa. Cada vez mais alto e mais longe. Prova que o Brasil tem solução. Ao contrário do que muitos pensam, falam ou escrevem.

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Sergio Araujo é jornalista (Porto Alegre, RS)