Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mudança sem retorno

Duas pesquisas divulgadas recentemente mostram, de forma inequívoca, a dimensão das mudanças que estão ocorrendo no ‘consumo’ de mídia, tanto no Brasil como no mundo. Elas são tão rápidas e com implicações tão profundas que, às vezes, provocam reações inconformadas de empresários e/ou autoridades que revelam sérias dificuldades para compreender ou aceitar o que de fato está acontecendo no setor de comunicações.


Internet supera TV


A primeira dessas pesquisas é ‘O Futuro da Mídia’ desenvolvida pela Deloitte e pelo Harrison Group. A Deloitte é a marca sob a qual profissionais que atuam em diferentes firmas em todo o mundo colaboram para oferecer serviços de auditoria e consultoria. Essas firmas são membros da Deloitte Touche Tohmatsu, uma verein (associação) estabelecida na Suíça (ver aqui). Já o Harrison Group é uma consultoria independente com sede nos EUA.


A pesquisa, realizada simultaneamente nos EUA, na Alemanha, na Inglaterra, no Japão e no Brasil, identificou como pessoas entre 14 e 75 anos ‘consomem’ mídia hoje e o que esperam da mídia no futuro. A coleta de dados foi feita entre 17 de setembro e 20 de outubro de 2008 e a amostra foi dividida em quatro grupos de faixas etárias: a ‘Geração Y’, com idade entre 14 e 25 anos; a ‘Geração X’, que tem entre 26 e 42 anos; a ‘Geração Baby Boom’, formada por pessoas entre 43 e 61 anos; e a ‘Geração Madura’, que compreende os consumidores entre 62 e 75 anos. No Brasil, foram ouvidas 1.022 pessoas, classificadas nas quatro faixas etárias.


Vale a pena transcrever o que a própria Deloitte relata sobre alguns dos resultados referentes ao Brasil (cf. Deloitte, Mundo Corporativo nº 24, abril/junho 2009).




‘O levantamento mostra que o Brasil, com um mercado formado essencialmente por um público jovem é, dos cinco países participantes da pesquisa, aquele em que os consumidores gastam mais tempo por semana consumindo informações ofertadas pelos mais variados meios de comunicação e se mostram especialmente envolvidos com atividades on-line. Os consumidores brasileiros gastam 82 horas por semana interagindo com diversos tipos de mídia, incluindo o celular. Para a grande maioria (81%), o computador superou a televisão como fonte de entretenimento. Os videogames e os jogos de computador constituem importantes formas de diversão para 58% dos entrevistados. (…)’


Uma das principais informações reveladas é que o usuário quer participar, interferir. De acordo com as entrevistas realizadas com o público nacional, 83% dos consumidores de mídia produzem seu próprio conteúdo de entretenimento usando, por exemplo, programas de edição de fotos, vídeos e músicas. O público de faixa etária entre 26 e 42 anos é o mais envolvido com atividades interativas na rede. Quanto mais jovem, mais propenso a produzir seu próprio conteúdo online.


Um dado extremamente revelador é que assistir à televisão é a fonte de entretenimento preferida pelos entrevistados de todos os países participantes da pesquisa, com exceção do Brasil. Entre nós, a TV aparece em terceiro lugar, as revistas em sétimo, o rádio em nono e os jornais, em décimo.


O quadro (adaptado) abaixo revela as preferências brasileiras.




Fontes de entretenimento favoritas – Brasil


1º) Assistir a filmes em casa (não inclui filmes na TV) – 55 %


2º) Navegar na internet por interesses pessoais ou sociais – 53 %


3º) Assistir à televisão – 46 %


4º) Ouvir música (usando qualquer dispositivo) – 36 %


5º) Ir ao cinema – 30 %


6º) Ler livros (impressos ou online) – 25 %


7º) Ler revistas (impressas ou online) – 16 %


8º) – Jogar videogames ou jogos de computador – 14 %


9º) Ouvir rádio – 13 %


10º) Ler jornais (impressos ou online) – 12 %


Para um país acostumado – há décadas – à hegemonia não só da televisão, mas de uma única rede de TV, esses dados não deixam de ser surpreendentes.


Participação ativa


Já a vontade majoritária de participar e interferir na construção do conteúdo, revelada pelos entrevistados brasileiros, acaba de vez com a idéia do obtuso ‘Homer Simpson’ (cf. L. Leal Filho, ‘De Bonner para Homer‘, CartaCapital, 7/12/2005) e com o mito da passividade dos nossos leitores, ouvintes e telespectadores.


Mais do que isso, os dados colidem frontalmente com as práticas históricas dos principais grupos de mídia brasileiros que, salvo raras exceções, sequer admitem a existência de ouvidorias ou de ombudsman em suas empresas.


A supremacia das redes sociais


A pesquisa Deloitte/Harrison faz referencia a outra pesquisa divulgada em junho de 2008 pelo Ibope/Net Ratings sobre o surgimento das ‘redes sociais virtuais’, ou seja, os sites de relacionamento que reúnem internautas com os mesmos interesses. Segundo esta pesquisa, 18,5 milhões de pessoas haviam navegado neste tipo de site em maio de 2008. Se somados os fotologs, videologs e programas de mensagens instantâneas, o número salta para 20,6 milhões.


Pois bem. No painel de abertura do 8º Tela Viva Móvel, na quarta-feira (20/5), em São Paulo, o gerente de conteúdo e aplicações da Oi, Gustavo Alvim, informa que as redes sociais já desempenham papel mais importante que o acesso a emails no cenário da internet mundial. Em média, enquanto 65,1% dos usuários mundiais de internet acessam emails, 66,8% acessam redes sociais. ‘E o Brasil é o líder absoluto em redes sociais, com 85% de seus internautas que acessam pelo menos uma rede social.’


Os dados vêm confirmar a aplicabilidade da hipótese do long tail (Chris Anderson) à ‘cultura convergente’ – como faz Henry Jenkins – e, particularmente, reafirmar a tendência já prevalente da contextualização, análise e organização capilar de conteúdos, inclusive os jornalísticos, em sites e blogs, deixando para trás os velhos modelos dos jornais impressos diários.


‘Pendurados na internet’


Diante desses dados – e das importantes transformações que sinalizam – é que se deve compreender a recente declaração do ministro das Comunicações na abertura do 25º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, no dia 19/5, em Brasília.


Segundo relata Mariana Mazza do Televiva News, depois de fazer uma vigorosa defesa da radiodifusão e registrar o abismo entre o faturamento da radiodifusão e das telecomunicações – ‘o setor de comunicação fatura R$ 110 bilhões por ano. Desse total, somente R$ 1 bilhão é do rádio e R$ 12 bilhões das TVs. O resto vocês sabem muito bem onde está’ –, o ministro sugeriu que os jovens devem usar menos a internet e assistir mais programas de TV e de rádio. ‘Essa juventude tem que parar de só ficar pendurada na internet. Tem que assistir mais rádio e televisão.’


Ao que parece o senhor ministro – e os radiodifusores que ele tão bem representa – estão realmente perdendo o bonde da história.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)