Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os primeiros passos de uma nova imprensa

A segunda década do século 21 sepultou, junto de uma série de periódicos, os presságios de pouco valor analítico, mas extremo efeito psicológico, sobre o fim do jornalismo e seu espaço institucional, a imprensa. Foram muitos, e dolorosos, os abalos sofridos pelos jornais e revistas, cuja convulsão no mundo fora potencializada pela crise econômica de 2008. No Brasil, os problemas foram potencializados pelo achatamento do crescimento do PIB no governo Dilma Rousseff e, como aconteceu na Europa e nos EUA, pela migração dos investimentos em publicidade para a internet.

Mas quem olha para o Norte do hemisfério, precisamente para os Estados Unidos, já pode dizer que há sinais do nascimento e desenvolvimento de uma nova imprensa, por meio da criação de novos veículos de qualidade, credibilidade e alcance e de mudanças implementadas em veículos tradicionais, como o New York Times e o El País.

O evento mais recente ocorreu há três semanas. A jornalista Arianna Huffington, criadora do Huffington Post, anunciou a criação de um novo diário global digital, o World Post, que contará com a colaboração de políticos como o presidente dos EUA, Barack Obama, e empresários, como Bill Gates, além de um prometido espaço para a chamada “gente comum”. Por ser um veículo surgido com foco e alcance global, a iniciativa é o exemplo mais acabado da internacionalização (ou globalização) dos veículos de imprensa no espaço digital (ver “Nasce um observador global“).

Novidades e novos paradigmas

Mas há outras iniciativas que não podemos deixar de citar, como a recente versão brasileira do El País, com um jornalismo de qualidade, feito a partir das características da matriz espanhola, e as versões do Huffington Post pelo mundo afora – este ano estreia, ainda, a versão brasileira.

Ao encerrar a marca International Herald Tribune, alterando o nome do jornal (impresso e digital) para International New York Times, o mais importante diário dos Estados Unidos renova e reforça sua estratégia de globalização. O mesmo ocorre com o Financial Times, que adotou apenas uma edição internacional impressa para os diversos países em que circula, entre eles o Brasil, e comunicou que seus investimentos estarão voltados desta década em diante para o jornalismo digital.

Além das novas estratégias dos veículos tradicionais, surgem novos veículos, financiados por bilionários e voltados para o jornalismo investigativo. O magnata Pierre Omidyar, criador do eBay, anunciou os primeiros US$ 50 milhões de dólares (de um total de US$ 250 mi) que investirá no site que está montando com o jornalista americano Glenn Greenwald, célebre por divulgar as denúncias de espionagem de Edward Snowden. O dinheiro será usado para montar redações nas cidades de Nova York, São Francisco e Washington. Outro bilionário e revolucionário feito na internet, Jeff Bezos, criador da Amazon, comprou em agosto do ano passado, por US$ 250 mi, o Washington Post. A trajetória inovadora e inquieta de Bezos, que mudou o varejo americano e desde o final da década de 1990 investe na criação de plataformas de leitura digital de livros, faz esperar por novidades e novos paradigmas no antigo jornal da família Graham.

A versão se sobrepõe ao fato

Nos Estados Unidos outro movimento importante, e marcante, embora ainda não se tenha aferido os resultados, foi o do investidor Warren Buffet, que comprou 63 jornais americanos locais, de diferentes vertentes políticas, com a disposição de oferecer informação e jornalismo de qualidade nos meios impresso e digital para as comunidades das quais fazem parte. E, também, claro, lucrar com isso.

A cobrança por conteúdo, depois de revelar-se bem aceita pelo internauta, graças à iniciativa ousada do New York Times, deixou de ser uma dúvida para tornar-se mais um meio de rentabilidade para os veículos. O modelo já é adotado por cerca de 40% de todos os jornais do país. Mas nem tudo são bytes. Conforme anunciado na semana retrasada, o site de notícias Capital New York, especializado em cobertura política e de mídia em Nova York, e comprado há quatro meses pelo mesmo grupo que edita o site Politico, de Washington, ganhará uma revista mensal a partir do dia 27 de janeiro. A primeira edição da revista terá 8.000 exemplares, distribuídos gratuitamente, com os custos e lucros bancados pela receita publicitária. O Politico, nascido digital, criou uma revista bimensal, cujo primeiro exemplar circulou em novembro de 2013.

E no Brasil?

Para além da bem-vinda chegada do El País e do Huffington Post, em parceria com o Grupo Abril, não há muito que se comemorar a esse respeito. Depois do surgimento de veículos digitais voltados para o noticiário geral, 24 horas por dia, como o UOL, IG e G1, houve uma proliferação de blogs e sites que com o tempo se estruturam com anúncios governamentais.

Antes de serem veículos independentes e interessados na busca da verdade factual, esses sites e blogs estão mais pautados no confronto político-ideológico com a imprensa tradicional, posicionando-se como contraponto a ela, sem trazer matérias e furos que possam tornar o noticiário brasileiro mais competitivo e interessante. O resultado é o que temos visto: um preocupante nível de intolerância política, no qual a versão se sobrepõe ao fato, a paixão sobre a razão. E uma impressa que pouco investe na competição pela qualidade e na inovação. Um cenário nada animador.

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Danilo Thomaz é jornalista, São Paulo, SP