Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os rolezinhos e o preconceito

Os jovens encontraram nova forma de se encontrar, conhecer pessoas, trocar ideias. Em vez de comemorar o fato, a sociedade (ou pelo menos aquela parte da sociedade que se sente dona dos shoppings de luxo) chama a polícia e volta à cena um bordão característico dos tempos da ditadura: “Circulando, circulando”. Os rolezinhos – que começaram como uma forma de reunir gente – acabaram virando tema de sociólogos, assunto da mídia, e perderam a espontaneidade.

A imprensa encontrou – na velha fórmula jornalística de ouvir todos os lados – uma bela maneira de ficar em cima do muro. Ouviu os jovens, deu espaço para os donos de lojas e deixou que os teóricos discutissem as origens e possíveis rumos do movimento.

A edição de domingo (19/1) do Estado de S. Paulo deu duas páginas do caderno “Aliás” para a discussão dos rolezinhos, além de uma página no caderno “Metrópole”. Foi nesse caderno que um dos organizadores do movimento teve espaço para falar.

Jefferson Luís, ou MC Jota L, organizador de um rolezinho, declarou:

“Houve um corre-corre, um mal-entendido, não teve roubo nem arrastão. Acho que eles estão colocando muita coisa onde não tem. Teve um tumulto, sim, mas não foi tudo isso que as pessoas estão pensando que foi. No momento do corre-corre, eu não estava dentro do shopping. Meus colegas me disseram que estava um grupo de pessoas na praça de alimentação, não estava ocorrendo nada, mas uma mulher se sentiu ameaçada, ligou para a polícia e a polícia entrou no shopping. E, quando você vê um monte de policial com cassetete na mão, você pensa o quê? Todo mundo correu, com medo. Foi aí que começou o tumulto.”

Já teóricos como Rosana Pinheiro-Machado, professora de Antropologia do Desenvolvimento na Universidade Oxford, alertam sobre o perigo de romantizar o movimento:

“O rolezinho é um movimento de periferia que vem ‘de baixo para cima’. Mas temos de evitar alguma romantização: esses jovens estavam querendo se divertir, mas tiveram esse direito barrado. Isso gerou uma revolta dos movimentos sociais e dos intelectuais. Dependendo de como a polícia reagir, vai se ampliar”.

Motivos do susto

O grande engano, segundo a Veja (edição 2357, data de capa 22/1/2014), é que os participantes dos rolezinhos não querem invadir os shoppings de luxo. Eles querem fazer rolê perto de casa, como declarou Evandro Farias de Almeida, autor de um blog que tem 13 mil seguidores: “Por que vou ficar duas horas num ônibus para fazer compras num lugar em que tudo é mais caro e ninguém me conhece?”

A frase do blogueiro, somada à declaração do outro rolezeiro (que fala do tumulto causado por uma mulher que se sentiu ameaçada), dariam chance à mídia de discutir essa nova realidade. Realidade que foi tema dos livros de ficção científica nos anos 1940 e 50. Alguns autores anteciparam modelos em que os ricos viviam em condomínios fechados, comprando e consumindo lá mesmo – o que, aos poucos, levava a dois tipos de sociedade em um mesmo país.

A diferença da nossa realidade para os retratos feitos pela ficção científica é que, nesses mundos de fantasia, a maior distinção era econômica. Não havia, como no nosso caso, o componente da cor da pele. Aquela senhora que se sentiu ameaçada deve ter achado que a multidão de jovens de bermuda, camiseta e boné, e ainda por cima negros ou mulatos, não podia ser boa coisa.

Está na hora de enfrentar o fato de que somos, sim, um país racista. Com o acesso, tão comemorado pelo governo e até pela mídia, das classes C e D ao consumo, era natural que os brasileiros negros e mulatos ganhassem mais visibilidade.

Está na hora da mídia fazer a sua parte e discutir a fundo o verdadeiro motivo do susto que os rolezinhos estão provocando. E descobrir se o movimento continua espontâneo ou começa a haver manipulação dos jovens por outros interesses.