O Reino Unido pode estar prestes a adotar uma legislação discriminatória e desigual para o setor de comunicação, se não promover um grande debate sobre o exercício da profissão de jornalismo no país. Este é um dos riscos para a atuação da imprensa local – considerada uma das mais livres do mundo –, que uma missão com especialistas internacionais deve apontar, em fevereiro, em um relatório sobre os rumos da mídia britânica.
A avaliação é que o Royal Charter (Carta Real), que prevê controle independente da imprensa, pode criar distorções ao definir penas mais brandas para empresas que aderirem à nova regulamentação e punições exemplares para quem ficar de fora.
Para o grupo liderado pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Jornais (WAN-IFRA, na sigla em inglês), que esteve reunido com representantes de diversos segmentos de comunicação em Londres, ainda não há consenso sobre o tema e falta clareza ao debate.
– Nossa visita foi bem recebida e vista por todos como oportuna, uma iniciativa necessária em um momento de grande incerteza para o futuro da imprensa britânica – afirmou o presidente da WAN-IFRA, Vincent Peyrègne.
Dentro de 15 dias, os especialistas enviados pela WAN-IFRA à capital britânica devem preparar uma versão preliminar do relatório. Este será o ponto de partida para a discussão dos detalhes que serão incluídos na versão final.
– A partir do relatório final, poderemos traçar um plano de ação e protestar, se for necessário – disse o presidente da Associação Internacional de Radiodifusão, Alexandre Jobim, um dos 15 integrantes do grupo.
Esta foi a segunda missão enviada a uma democracia do mundo desenvolvido desde 1948, quando a organização foi fundada. A iniciativa foi motivada não apenas pela nova regulamentação para o setor, mas também pela reação do governo britânico às publicações do jornal “The Guardian” sobre dados de espionagem da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) vazados pelo ex-agente Edward Snowden.
Segundo Jobim, foi unânime a avaliação dos interlocutores da missão no parlamento e na academia de que os governos americano e britânico se excederam com a espionagem, e que as autoridades do Reino Unido tiveram reação desproporcional contra o “The Guardian”, mandando o periódico destruir os arquivos que vinha sendo usados em suas reportagens. O relatório final deve apontar não só os riscos, mas também recomendações para garantir a liberdade de expressão.
De acordo com a legislação que está sendo discutida , um órgão independente poderá aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de US$ 1,5 milhão) ou até 1% do faturamento das empresas e obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar pedidos de desculpas com destaque nas primeiras páginas sempre que considerar apropriado. As punições podem ser ainda maiores para aquelas companhias que não aderirem às novas regras.
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Regras para a mídia dividem britânicos
[Reproduzido do Globo.com, 16/1/2014]
Depois de dois dias de rodadas de reuniões com os representantes do segmento de comunicação no Reino Unido, a avaliação preliminar da missão de 15 especialistas, liderada pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Jornais (WAN-IFRA, a sigla em inglês), enviados à capital britânica para avaliar os rumos da mídia no país é de que ainda falta clareza ao debate para que se possa bater o martelo sobre a questão.
Os bastidores das discussões sobre a nova regulamentação que vem sendo desenhada para o setor mostram que ainda existe uma grande polarização não só entre políticos, como também entre os órgãos de imprensa e a própria academia, o que poderia comprometer o futuro da imprensa no país e a eficiência das normas que estão sendo tratadas.
– Esta foi a primeira conclusão a que chegou a missão – avaliou o presidente da Associação Internacional de Radiodifusão, Alexandre Jobim.
Acredita-se que o Royal Charter (Carta Real), que prevê o estabelecimento de um controle independente da imprensa, mais do que um documento que prevê a adesão voluntária das empresas de comunicação, vem se definindo como uma imposição do governo, que poderá restringir as liberdades de expressão.
No meio político, a expectativa é que a aceitação dos órgãos de imprensa, o que não aconteceu como esperavam as autoridades britânicas até agora, exima os parlamentares de terem de votar uma nova lei para tratar do assunto. O temor é que, a pouco mais de um ano das eleições gerais, os deputados tenham de assumir o ônus de aprovar eles próprios medidas que restrinjam ação dos jornalistas.
– Se há aqueles que não gostam do trabalho da mídia, há também quem precise dele para as eleições daqui a pouco – disse Jobim.
‘Posições apaixonadas’
O documento, criado após o escândalo dos grampos de telefones de celeridades pelo Reino Unido, em 2010, foi assinado pela rainha. Os detalhes ainda estão sendo discutidos. Mas, se a imprensa não aderir ao que propõe a nova regulamentação, outro documento deverá ser submetido à apreciação do parlamento e aprovado por dois terços da Casa para entrar em vigor
Pelas regras que já passaram pela caneta Real, um órgão independente poderá aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de US$ 1,5 milhão) ou até 1% do faturamento das empresas, além de obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar pedidos de desculpas com destaque nas primeiras páginas sempre que considerar apropriado.
–Não viemos aqui para protestar, mas para investigar, tentar entender o que está acontecendo de fato. Mas a avaliação preliminar é a de que ainda não está claro o que está acontecendo – disse Jobim.
Segundo o especialista brasileiro, todas as considerações e opiniões ouvidas até agora devem fazer parte do relatório que a missão deve divulgar até o fim de fevereiro com as principais preocupações em relação nova legislação.
– Está claro que há posições apaixonadas de todas as partes – afirmou Alexandre Jobim. (Vivian Oswald)
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Missão analisa ameaças à liberdade de imprensa no Reino Unido
[Reproduzido do Globo.com, 15/1/2014; título original: “Missão inédita analisa ameaças à liberdade de imprensa no Reino Unido”]
Representantes da mídia internacional preparam um extenso relatório sobre os rumos da liberdade de imprensa no Reino Unido e os efeitos que eventuais restrições ao exercício da profissão de jornalista no país poderão exercer sobre outras democracias menos desenvolvidas. O documento, que será publicado até o final do próximo mês, deve ressaltar preocupações com a nova legislação, que está em elaboração pelo governo britânico para regular as publicações nacionais. Também deve frisar a resposta das autoridades às revelações Edward Snowden, ex-técnico da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês), publicadas pelo jornal The Guardian durante todo o ano passado.
Uma missão inédita com 15 especialistas do mundo inteiro, liderada pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-Ifra, na sigla em inglês), desembarcou nesta quarta-feira [15/1] em Londres para encontros com os protagonistas do setor de comunicação do país. Esta é a segunda vez, desde a sua fundação, em 1948, que a organização envia um grupo a uma democracia do mundo desenvolvido desde os anos 2000, quando mandou uma missão à Espanha para discutir a segurança dos jornalistas no País Basco diante das ameaças terroristas do ETA. Outras missões semelhantes foram enviadas desde então para Etiópia, África do Sul, Líbia, Iêmen, Tunísia, México, Honduras, Equador, Colômbia, Guatemala, Ucrânia, Azerbaijão e Mianmar. “A WAN-Ifra está extremamente preocupada com o tratamento que as autoridades britânicas estão dispensando à profissão dos jornalistas e as suas tentativas de controle do debate público”, disse o diretor-executivo da associação, Vincent Peyrègne.
Ao Globo, o coordenador da missão, Andrew Heslop, disse nesta quarta que existe um grande risco de que medidas mais restritivas em solo britânico sejam a desculpa necessária por regimes mais repressivos para diminuir a independência da mídia. Para ele, este poderia ser o caso sobretudo dos países da Commonwealth – que reúne a maioria das antigas colônias britânicas hoje independentes. “O Reino Unido poderia ser usado de modelo. Não há garantia de que a interpretação desses países não vá ainda mais longe. Qualquer ameaça à independência do jornalismo britânico poderia ser usada por esses regimes para justificar seu controle sobre a imprensa. O relatório vai avaliar as ameaças, o tipo de mensagem que os britânicos estão dando para o resto do mundo”, afirmou.
Segundo Heslop, a ideia é ouvir a maior quantidade possível de especialistas no setor para entender exatamente qual é a situação que se vislumbra para o país no médio prazo. Isso porque o debate sobre este assunto no país estaria “nebuloso e confuso”. O documento deve incluir não apenas as preocupações do setor de comunicação internacional dentro e fora da Inglaterra, como também recomendações.
No ano passado, os britânicos mergulharam num debate sobre o que fazer com a imprensa. Enquanto a classe política defende maior regulação da mídia, os órgãos de imprensa se queixam de interferência no país que ficou conhecido pela liberdade de expressão.
Controle após grampos
Reportagens publicadas com dados sigilosos revelados por Snowden denunciando a espionagem do governo americano, com a ajuda do Reino Unido, sobre a vida de milhões de cidadãos comuns e líderes do mundo inteiro estão no pano de fundo do debate. O governo britânico intensificou a pressão política sobre o The Guardian, que teve o conteúdo de seus computadores destruídos pelas autoridades depois das publicações sobre os dados da agência americana. A discussão sobre os limites da imprensa não se restringe aos vazamentos de Snowden. Desde agosto do ano passado, discutem-se os detalhes da recém-aprovada royal charter (ou carta real), que prevê o estabelecimento de um controle independente da imprensa.
O documento, criado após o escândalo dos grampos de telefones de celebridades pelo Reino Unido, em 2010, foi assinado pela rainha. As empresas de jornalismo terão a opção de aderir ou não ao novo regime. Mas está prevista a criação de punições exemplares para aqueles que se excederem e estiverem fora do pacto. Muitos órgãos de imprensa já disseram que não pretendem aderir.
Um órgão independente poderá aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de US$ 1,5 milhão) ou até 1% do faturamento das empresas, além de obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar pedidos de desculpas com destaque nas primeiras páginas sempre que considerar apropriado.
A WAN-Ifra representa 18 mil publicações impressas, 15 mil on-line e mais de três mil empresas em 120 países. Hoje, estão previstas, entre outras, reuniões com a secretária de Estado para Cultura do Reino Unido, Maria Miller, e o editor do Guardian, Alan Rusbridger. A missão só termina amanhã [quinta, 16/1]. (Vivian Oswald)