Há três anos, o artista chinês Ai Weiwei está proibido de deixar a China por conta de desentendimentos com o governo. Ainda assim, sua obra segue correndo o mundo – e, mesmo de sua casa, ele segue com seus protestos. Desde o final do ano passado, por exemplo, ele coloca diariamente flores diante do seu ateliê em Pequim, protesto, diz, à retenção de seu passaporte.
No último fim de semana, a BBC lançou na Inglaterra um documentário sobre o artista, no qual o acompanha desde sua prisão, em 2011, até a preparação do trabalho exibido por ele na última Bienal de Veneza. E, em abril, uma grande exposição, intitulada “Ai Weiwei: According to What?”, será aberta em Nova York. “Eu tentei contato várias vezes com as autoridades. Mas não obtenho respostas. Não consigo uma resposta nem do fisco, que alega que eu tenho uma dívida enorme em impostos. O departamento de propaganda enviou uma mensagem clara a toda mídia: nem uma palavra sobre Ai Weiwei”, diz ele na entrevista a seguir.
Jatos de combate chineses têm voado sobre ilhas no Mar da China Oriental desde novembro; algumas semanas atrás, um artefato espacial chinês pousou na Lua, um helicóptero chinês resgatou um grupo de turistas na Antártida. A China tem parecido forte e poderosa ultimamente. Isso só a torna mais perigosa. Se um mestre, um homem sábio e experiente, brande uma grande arma, isso é belo. Ele pode servir à paz com ela. Mas se as emoções de alguém estão desequilibradas, mesmo que tenha o melhor equipamento, ele ainda significará perigo. A tecnologia moderna requer calma. Não se deve confiar em alguém que tenha um carro e não tenha nenhum conhecimento sobre veículos e estradas.
“Há graus de vigilância”
Quer dizer que a liderança política da China não tem seus sentimentos sob controle?
Ai Weiwei – O sistema todo – não apenas a liderança política, os militares também, a estrutura toda de poder, nosso sistema educacional, a sociedade como um todo – está sofrendo por se ver excluído do livre fluxo de informação. É por isso que o país não pode enfrentar uma competição aberta.
O que há de errado com o sistema educacional? Segundo estudo recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um ranking internacional de sistemas educacionais, estudantes em Xangai são os melhores do mundo em aritmética, ciências naturais e leitura.
A.W. – Acho nosso sistema oco e vazio. Vamos falar de humanidade, individualismo, imaginação e criatividade – estes são os valores sobre os quais se constrói uma sociedade. Que educação estamos obtendo, que sonhos sonhamos? Eu trato com estudantes todos os dias, gente da China, Alemanha, Estados Unidos, Hong Kong e Taiwan. E notei que os estudantes chineses não têm nenhuma habilidade para sentir o que é belo ou o que é apropriado. Podem ser educados e habilidosos, mas falta-lhes a habilidade de fazer seus próprios julgamentos livres. É realmente triste ver jovens adultos, de 20, 25 anos, que não aprenderam a tomar suas próprias decisões. As pessoas incapazes disso não adquirem um senso de responsabilidade. E quando não se tem um senso de responsabilidade, empurra-se a culpa para o sistema.
Por que você está sob uma vigilância tão maníaca? Há mais de uma dezena de câmeras em volta de sua casa.
A.W. – Há uma unidade, acho que se chama “Escritório 608”, que acompanha pessoas de certas categorias e graus de vigilância. Estou certo de que estou no topo. Eles não se limitaram a grampear meu telefone, checar meu computador e instalar suas câmeras por toda parte – vão atrás de mim até quando caminho no parque com meu filho.
“Devem ter um arquivo imenso a meu respeito”
O que as pessoas que o vigiam querem descobrir? O que elas ainda não sabem?
A.W. – Um ano atrás, fiquei um pouco agressivo e tirei a câmera de um deles. Retirei o cartão de memória e lhe perguntei se ele era um agente de polícia. Ele disse “Não”. Então por que vocês estão me seguindo e me fotografando constantemente? Ele disse: “Não, eu nunca fotografei”. Eu disse, “OK, volte ao seu chefe e lhe diga que quero conversar com ele. E se você continuar me seguindo, então seja um pouco mais cuidadoso e cuide que eu não o perceba”. Eu estava realmente curioso para ver o que ele tinha naquele cartão de memória.
E?
A.W. – Fiquei chocado porque ele havia fotografado o restaurante onde eu havia comido no dia anterior de todos os ângulos: cada sala, a caixa registradora, o corredor, a entrada em todos os ângulos, cada mesa. Caramba, por que eles se deram todo esse trabalho? Depois há fotos do meu motorista, primeiro dele sentado num banco de parque, depois uma dele retratado de frente, um retrato de trás, seus sapatos, da esquerda, da direita, depois de mim de novo, depois de meu carrinho de criança.
Ele era apenas uma das várias pessoas que o seguem?
A.W. – Sim. Eles devem ter um arquivo imenso a meu respeito. Mas quando eu lhe devolvi a câmera, ele pediu para não postar a foto de seu rosto na internet.
“Minha vida virtual se tornou minha vida real”
É possível se acostumar com ser observado tão de perto e permanentemente?
A.W. – A maneira como agi foi muito simples: quando contei que eles haviam instalado 15 câmeras ao redor da minha casa, decidi instalar outras quatro câmeras – uma em meu quarto, uma em minha escrivaninha, e assim por diante. Eu disse: “Vocês querem saber o que estou fazendo? Centenas de milhares de outros querem saber também e vêm me seguindo há dias”. Isto virou um grande acontecimento. Eles disseram: “Por favor, desligue as câmeras”. Eu lhes perguntei se era uma sugestão ou uma ordem – ocorre que era uma ordem.
A internet é rigidamente censurada na China, mas ela fervilha de ideias e críticas.
A.W. – A internet é a melhor coisa que já aconteceu para a China. Ela nos torna indivíduos e também nos permite compartilhar nossas percepções e sentimentos, Ela cria uma cultura de individualismo e intercâmbio.
Como estas limitações afetam seu trabalho?
A.W. – Elas realmente não me afetam porque eu trabalho e vivo na internet. Minha vida virtual se tornou minha vida real. Fui lembrado disso novamente alguns dias atrás: pedi para meus colegas imprimirem tudo que escrevi no Twitter nos três últimos anos. São 20 volumes.
“Onde há poder, há perigo”
Você ouve de canais extraoficiais o que o governo pensa a seu respeito?
A.W. – Isso nunca ficou claro para mim, nem mesmo após os pesados interrogatórios. Uma vez um policial deixou escapar: nós o respeitamos. Isso veio de pessoas que se sentavam na minha frente no interrogatório. Durante uma manifestação em que um dos agentes policiais me filmou e eu o filmei de volta, ele caminhou até mim e disse: “Laoshi, professor, nós o respeitamos”.
O que pensou quando Edward Snowden revelou que todos nós estamos sendo espionados de uma maneira mais sutil?
A.W. – Edward Snowden foi o primeiro a soar o alarme, e só isso já faz dele um herói.
Snowden mudou sua visão dos Estados Unidos?
A.W. – Os americanos vêm fazendo isso desde a Guerra Fria. A maioria das nações tem capacidade técnica para fazê-lo. Mas as revelações de Snowden são uma oportunidade para reconsiderar tudo. Eu admiro o povo americano e a estrutura política que ele se deu. Mas não tenho ilusões sobre o poder. Onde há poder, há perigo.