Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na pista de uma notícia da China

Na semana de 12 de abril, o governo da China aumentou em dois pontos, de 7% para 7,5%, o porcentual dos depósitos que os bancos do país são obrigados a deixar imobilizados no Banco do Povo, o banco central chinês. (Para se ter uma idéia da proporção desse 0,5%, basta lembrar que, no Brasil, o compulsório é de 53% nos depósitos de conta corrente e de 30% na poupança). Com isso, as autoridades chinesas tiraram de circulação cerca de 13 bilhões de dólares, numa tentativa de esfriar o ânimo consumista da população. Era a terceira intervenção no mesmo sentido, nos últimos sete meses.

Na semana seguinte, dia 19, madame Wu Xiaoling, presidente do Banco do Povo, anunciou medidas mais duras para conter o excesso de dinheiro em circulação e manter sob algum controle o valor do yuan, a moeda local. Certos setores, como as indústrias automobilística, de aço, cimento e imobiliária, foram colocados como alvos principais no processo de contenção.

Na semana passada, o governo chinês proibiu provisoriamente alguns bancos de menor porte de conceder novos empréstimos, anunciou o primeiro aumento de juros em nove anos e determinou que só haverá facilidades para investimentos em setores carentes e vulneráveis, como energia, carvão, petróleo e transportes. Uma grande parte dos investidores não vinha priorizando esse tipo de oportunidade, cujos resultados nunca ocorrem em curto prazo.

O mercado mundial reagiu e, ao sul do Equador, neste alegre país abençoado por Deus e bonito por natureza, o dólar deu um soluço, os investidores tomaram um susto, o chamado risco-país voltou a subir. E a imprensa nacional, quase unânime, explicou ao seus leitores que se tratava de reação à provável elevação dos juros por parte do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos. Quase unanimidade, já que o jornal Valor Econômico foi o único a relacionar a rápida turbulência à política de esfriamento da economia chinesa.

Jogo cego

Quem se interessou pelo assunto e tentou simular uma edição de jornal nos dias seguintes pôde perceber que em praticamente todos os arquivos dos principais diários do país, e até mesmo em sites de bancos, corretoras e outras entidades, como a Câmara Americana de Comércio, bastavam de dez a quinze minutos de leitura atenta para se perceber que os analistas vinham desde o dia 12 observando até que ponto os alertas das autoridades chinesas iriam se transformar em ações efetivas para conter o crédito e manter a inflação sob controle.

Na segunda-feira, 3 de maio, pelo menos um boletim de banco de investimentos ressaltava que o soluço do mercado tivera como origem a consolidação da política de contenção na China, e não um anunciado aumento dos juros nos Estados Unidos, como havia interpretado a mídia nacional. Também se constatava que a indefinição do governo brasileiro sobre o índice de reajuste do salário mínimo havia gerado certa expectativa negativa quanto à capacidade do Executivo de evitar uma onda de protestos que viesse a perturbar o cenário econômico.

Passou o 1º de Maio, o Federal Reserve reforçou os sinais de que os juros devem subir nos Estados Unidos, o governo chinês continua sendo aquilo que diz ser, e a grande massa de leitores não percebeu o que de fato aconteceu nesses dias.

A versão quase unânime dos acontecimentos econômicos oferecida aos leitores deu pouca ou nenhuma contribuição para a criação de algum significado sobre eventos que marcam um importante ajuste na economia mundial. O noticiário gerado na esteira de comentários divulgados pelas agências ocidentais de notícias, quase todas voltadas exclusivamente para os interesses dos formadores da opinião pública americana, faz o jornalismo nacional cada vez mais parecido com o jogo cego de ‘seguir o chefe’.

Prática suicida

A rigor, só algum tempo depois destes dias se poderá dizer com alguma acuidade quais acontecimentos predominaram na definição dos humores de investidores e analistas. Mas, no Brasil, para quem o mercado chinês já representa o terceiro destino de produtos de exportação, ignorar uma sucessão tão relevante de notícias sobre mudanças na economia chinesa é sinal de leviandade. Ou seja, o Brasil ainda é extremamente dependente do mercado de títulos americanos, mas outros fatores, com origem em diferentes pontos do planeta, também são levados em conta, e os editores não podem ignorar essa nova complexidade.

O dólar recuou 1,17% na sexta-feira (30/4), mesmo com a proximidade do aumento de juros nos Estados Unidos. Predominou a avaliação do mercado de que as mudanças na China significam o redirecionamento dos esforços de desenvolvimento daquele país para a prevenção de riscos nas áreas de energia e infraestrutura.

O novo salário mínimo brasileiro vai a votação sob novas bravatas de oposicionistas que, quando no poder, nunca deram a mínima para o salário. A esquerda segue sua prática suicida de rejeitar as responsabilidades do poder. E o leitor continua tendo de se valer de outras fontes para entender o que a imprensa está tentando lhe contar.

******

Jornalista