Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Virou hit na internet a entrevista de Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, ao programa “Manhattan Connection”, especialmente o trecho em que ela aponta um pessimismo excessivo sobre o estado da economia. “Nós, brasileiros, olhamos bem o lado do copo meio vazio, e a imprensa coloca esse lado. A gente nunca vê o copo meio cheio”, disse.

Quem passa os olhos pelos títulos da Folha pode ficar com a mesma impressão que a empresária. “Comércio tem o pior resultado no Natal em 11 anos” (27/12), “61 milhões estão fora da força de trabalho” (18/1), “Brasil cria 1,1 milhão de empregos em 2013, pior saldo em dez anos” (22/1), “Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial” (23/1).

Todas as afirmações estão corretas, mas é possível contra-argumentar em cada caso. O resultado do Natal foi positivo, com um crescimento de 2,7% em relação a 2012. A nova pesquisa sobre o desemprego mostrou um grande contingente que não trabalha, mas em qualquer país existe muita gente fora da força de trabalho. Criar mais de um milhão de vagas com um crescimento de apenas 2% não é desprezível, assim como é notável aumentar a arrecadação, mesmo com tantas desonerações.

A ênfase em dados negativos é uma característica geral da Folha. “O jornal tem uma predileção pelo mal-estar, pelo desconforto. Em política, é até mais acentuado do que em Mercado’”, definiu o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.

Avaliar como exagerada a cobertura depende de como se enxerga a situação do país. Perguntei a 11 economistas, entre acadêmicos e profissionais do mercado, se “a Folha está pessimista demais na área econômica”: cinco responderam enfaticamente que “não” e seis disseram que “sim”, mas que o jornal apenas reflete o mau humor do mercado. Ninguém apontou um viés intencional na cobertura.

“Estamos há três anos com pouco crescimento e inflação resistente, apesar de manipulada, com grande dificuldade em aumentar o investimento. Os números fiscais estão perdendo credibilidade e há muita tensão no mercado de câmbio”, explicou o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos que, como Giannetti, não veem exagero nas tintas da Folha.

Já Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest Investimentos e colunista da Folha, acha que há negativismo demais desde o final de 2013, num processo em que mídia e mercado financeiro se alimentam. “Como a imprensa faz cobertura quase diária de mercado, ela reflete o estado de ânimo dos principais agentes econômicos e acaba criando condições para mais pessimismo”, diz.

Luiz Fernando Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Sekular Investimentos, não vê esse tipo de influência da imprensa. “Investidores nacionais e estrangeiros têm dado sinais de maior desconfiança. Houve forte desvalorização dos ativos brasileiros. É uma visão pragmática do que está acontecendo”, diz.

Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, lembra que a política econômica mudou desde o segundo governo Lula, com a adoção de um projeto desenvolvimentista, que não teria dado certo. “O PIB fraco gerou uma enorme frustração, que se reflete no jornal”, diz.

Mansueto de Almeida, pesquisador do Ipea, sublinha que os economistas erraram muito nos últimos anos. “Havia um otimismo geral em 2011. A projeção era que o Brasil fosse crescer cerca de 4% até 2020.”

Ninguém vê, porém, o país à beira do abismo. “Não estamos, por enquanto, perto de passarmos pelas dificuldades atuais da Argentina”, afirma Lisboa.

Da mesma forma, não há quem veja tudo rosa. “A situação não é tão ruim como pintam nem tão boa quanto poderia ser, caso a indústria brasileira tivesse um desempenho melhor”, avalia Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.

Vários dos entrevistados apontam um peso grande do mercado financeiro nas páginas de economia. De fato, é mais difícil obter uma declaração importante de um grande industrial, que muitas vezes depende de empréstimos do governo, do que colher aspas de quem lida com investidores. Além disso, o mercado financeiro produz constantemente relatórios e projeções, que facilitam muito a vida dos jornalistas.

O economista-chefe de um grande banco, que pediu para manter o anonimato, afirmou: “Com honrosas exceções, há relativamente pouca distância analítica na imprensa econômica, que, até involuntariamente, ventila teses que traduzem interesses de mercado. Certas análises são feitas com o bolso, e não com o bom senso”.

Parece que a questão é bem mais complicada do que um duelo entre otimistas e pessimistas.