Em meio à polêmica das charges de Maomé, a ombudsman do Washington Post, Deborah Howell, dedicou sua coluna de domingo [12/2/06] a informar aos leitores os motivos que levaram o Post a não divulgar as caricaturas do profeta. Originalmente publicadas no jornal dinamarquês Jyllands-Posten, os desenhos geraram protestos violentos por parte dos muçulmanos. ‘Certamente, devido ao estardalhaço em torno do assunto, me parece uma obrigação do jornal publicá-los agora, para que os leitores possam dar uma olhada nos desenhos e tirar suas próprias conclusões’, opinou o leitor Martin Lawton. Muitos leitores questionaram a coragem jornalística do Post.
A decisão de não publicar as charges foi tomada pelo editor-executivo Len Downie juntamente com os editores do Post. ‘A questão é um julgamento jornalístico, e não se trata de coragem. Este jornal exerce vigorosamente sua liberdade de expressão a cada dia. Ao fazer isto, temos padrões de precisão, justiça e bom gosto que nossos leitores esperam de nós. Decidimos que publicar os cartuns seria violar nosso padrão’, explicou Downie. ‘Mas isto não nos impediu de informar sobre eles e sobre a controvérsia gerada por eles em detalhes ao longo de vários artigos por diversos dias’.
Para manter o padrão do jornal, muitas decisões sobre matérias, fotos e charges têm de ser tomadas diariamente. As novas normas do Post incluem a proibição de publicação de nudez, obscenidade e violência sem justificativa. ‘Palavras difamatórias ou discriminatórias que promovam estereótipos raciais, religiosos ou étnicos são inadmissíveis’, afirma o manual do Post.
As caricaturas de Maomé geraram ira nos muçulmanos em parte porque as tradições islâmicas proíbem a representação visual de seres humanos ou ‘imagens esculpidas’ do profeta Maomé e de outras figuras religiosas. ‘Só porque algo é proibido em uma prática religiosa não significa que o Post não vai noticiar, visualmente ou de outra forma. O Post já escreveu diversos artigos sobre aborto, proibido pela Igreja Católica, e já publicou várias receitas com ingredientes como porco, o que não é aceito por judeus ortodoxos e muçulmanos. E o jornal também divulga matérias sobre consumo de álcool, proibido pelo Islã’, alega Deborah. ‘Isto não significa que o Post não ofenda ocasionalmente as sensibilidades dos leitores, sejam elas religiosas ou não. A questão é sobre bom gosto e não sensibilidade religiosa’.
Para citar outros exemplos que não envolvem religião, Deborah relembra que o jornal publicou algumas das primeiras fotos de abuso na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, mas optou por não publicar outras que continham nudez em excesso. O Post também não publica fotos de cadáveres, a não ser as consideradas de alto valor jornalístico, como as dos corpos queimados de empreiteiros americanos pendurados em uma ponte no Iraque.
Como defensora da Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão, a ombudsman afirma que apóia os jornais que decidiram publicar as charges – como o Philadelphia Inquirer e o Austin American-Statesman – assim como os que optaram por exercer o direito de não fazê-lo, como o Post.