Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘O futuro é o mercado de assinaturas’

Na sala da torre em Botafogo, cujas paredes de vidro mostram uma das mais belas vistas do Pão de Açúcar e da Urca, o ex-estagiário e hoje presidente da Sony Music Brasil, Alexandre Schiavo, se perde em meio à pilha de CDs sobre sua mesa. São novos cantores que enviam suas músicas. Se ele ouve os CDs? Todos, garante ele.

– Ali pode estar o próximo sucesso – diz o empresário, que está há 22 anos na empresa, e que, neste período, acompanhou a indústria fonográfica do fim da fita cassete e dos LPs até o início e a consolidação do mercado digital, passando pela crise culminada pela pirataria (que quase levou a gravadora à falência), pelo surgimento dos CDs e pela volta do vinil. – O CD é ainda nossa maior receita, de 70%, mas o digital, que, em 2012, correspondia a 30%, deve chegar aos 40% da fatia em 2013 – diz Schiavo, lembrando que o ano fiscal termina somente em março. Não à toa, é neste universo da virtual que a Sony investe como canal e busca novos talentos. Tanto que as duas novas vozes foram descobertas em vídeos na internet.

Schiavo ressalta que os artistas consagrados (como ele gosta de chamar) também dão sustância à Sony. O rei da gravadora é, claro, Roberto Carlos – em peso e vendas. O sertanejo nunca saiu de moda, garante ele, e o gospel é o segundo maior gênero no ranking de comercialização. Público este que fez a gravadora redefinir sua equipe. Neste ano, Lulu Santos e Djavan voltam à gravadora, e Gilberto Gil faz sua estreia. Todos, provavelmente, com material físico e digital.

Em 2014, a gravadora passará a investir cada vez mais no marketing digital, com destaque para o Spotify, um aplicativo de streaming (pacote de assinaturas) – ainda bastante polêmico no mercado fonográfico – que deve chegar ao Brasil ainda no primeiro semestre. Mas ele confessa:

– Você sente que realmente lançou uma coisa boa quando ouve a música tocar na rádio. É o que ainda nos faz ficar arrepiados e ter a certeza de que deu tudo certo.

Você estava prestes a ser trainee do Citibank, em Nova York, e mesmo assim topou ser estagiário na Sony? Era amor ao ramo de música?

Alexandre Schiavo – Não. A minha relação com a música era a mesma de qualquer pessoa, eu gostava, mas não era aficionado. Eu queria era fazer marketing. Cursava administração na PUC-RJ e ingressei como trainee do CitiBank para uma função mais operacional. Quando fiquei sabendo do estágio na Sony, estava prestes a ir para Nova York. Eu pensei: ‘Devo deixar a vaga de trainee para um estágio? Bem, tudo bem, vamos lá’, e fui fazer a entrevista. Quem me recebeu foi o Luiz Calainho e foi ótima a conversa. Saí de lá pensando: ‘É isso o que eu quero’. Eu comecei no departamento de marketing estratégico fazendo algo que, a princípio, eu não gostava, que era venda de produtos para empresas. Eu dividia uma mesa daquelas redondas com outros funcionários, em meio aos catálogos, era uma confusão (risos). Foi quando surgiu uma vaga de secretário do Calainho e eu pedi para ocupá-la. Eu estava há quatro meses no estágio e mostrava resultados. Acho que ser simpático, criativo e pró-ativo me ajudaram nisso. O funcionário não tem que levar problemas, mas, sim, soluções para seu chefe. E depois disso fui crescendo dentro da gravadora até ir para os Estados Unidos como diretor de marketing internacional de artistas latinos e brasileiros, em Nova York.

Qual foi a parte mais difícil da sua carreira?

A.S. – Quando eu tive que deixar os Estados Unidos por causa da crise da indústria fonográfica, nos anos 90, gerada pela pirataria. Não queria retornar porque almejava outros mercados, como a Europa. Mas tinha uma crise aqui e já se falava em fechar a unidade no Brasil. A Sony estava entrando no quinto ano de queda. Além de ter que voltar, encontrei uma situação bem difícil aqui, tive que reestruturar a equipe, o que significa mandar muita gente embora, e renegociar contratos com os artistas da época, o que foi bem complicado também. Com isso, conseguimos economizar US$ 20 milhões. Isso deu um fôlego. Fizemos, ainda, uma campanha interna, porque as pessoas já estavam desanimadas de produzir CDs que, teoricamente, seriam copiados. A pirataria ainda existe, mas focamos no mercado digital. Este ano vamos apostar no Spotify que é um aplicativo de streaming, já importante no mundo. Ele é parecido com o iTunes, mas com serviços diferentes. O futuro é este mercado de assinatura.

O CD vai acabar um dia? Como a Sony se prepara para este mercado digital que cresce a cada ano?

A.S. – Olha, esta é a pergunta que todo mundo se faz. O mercado é muito dinâmico e está sempre mudando, as coisas vão e voltam. Os mais novos preferem o digital e os mais velhos os CDs, mas as pessoas mudam também. Você veja, o LP voltou. No ano que vem, vamos gravar toda a discografia do Roberto Carlos em vinil. O CD é ainda bastante importante no mercado. Tem o EP (disco com quatro a cinco faixas), que é um outro caminho. Neste últimos cinco anos, não houve queda significante nas vendas do produto físico. Nós somos líder deste mercado há quatro anos. E a música vai evoluir com a tecnologia. A Sony Music Brasil já está nas redes sociais e em diversos canais digitais. Em 2014, junto com os CDs, que são nossa maior receita, vamos focar mais no marketing digital, com campanhas e promoções na internet. A ideia é dar mais poder para estes canais, aliados ao rádio e TV, que continuam a ter uma força muito grande. No final do ano passado, perto do Natal, tivemos um case muito interessante da Sony mundial, em que a cantora Beyoncé lançou o produto físico e o digital ao mesmo tempo. Ela conseguiu juntar uma venda tão expressiva nos dois campos. Por mais que o consumidor ouça na internet, quando ele vê a embalagem, a foto, todo aquele trabalho impresso, ele quer ter aquilo. Então é dificil dizer se e quando o CD acabaria…

As pessoas brincam que uma hora o sertanejo chamado universitário vai se formar e acabar. Mas o que vemos é um mercado que cresce, junto com o religioso, que ganhou força nestes últimos anos. Qual a posição destes gêneros nas vendas?

A.S. – Tem gente que fala que o sertanejo cresce hoje, mas a verdade é que cresce há 12 anos. É o que mais vende nas lojas e nas rádios, e vai continuar dominando o mercado este ano. Se você for pegar os dados do que vende e do que toca na rádio no Brasil, vai ver que a música popular brasileira é, há bastante tempo, a sertaneja. E tem espaço tanto para consagrados como para os novatos. O gospel ou religioso foi um segmento que identificamos e hoje é o segundo gênero mais comercializado na Sony. O padre Marcelo Rossi, por exemplo, é o segundo artista com mais álbuns comprados, atrás somente do Roberto Carlos. A gente cometeu alguns erros nesse mercado, pois no início quisemos trabalhar somente com cantores que já estavam conosco. Depois, entendemos que precisávamos trazer profissionais do segmento de gospel para atuar dentro da gravadora. Apesar do choque cultural inicial, que teve mesmo, fomos bem sucedidos neste público.

O Roberto Carlos é o rei mesmo, em vendas e nome?

A.S. – O Roberto é o rei sim (risos). Ele é um cara extremamente simples e agradável. Se você perguntar para qualquer um aqui, vai ouvir que Roberto Carlos é um lorde. Por incrível que pareça, tem muito mais artista novo com ataque de estrelismo do que os antigos, que estão na estrada há anos e vendendo milhões…

Cantar bem é um requisito meio óbvio para ser um sucesso. Mas, tirando este lado romântico e abordando a questão comercial também, o que, de fato, o presidente da Sony busca ao ouvir estes CDs sobre a mesa e assistir aos vídeos na internet?

A.S. – Música e talento, de verdade! É, também, uma mistura de achar um artista para aquele som que está fazendo sucesso no momento, tipo Anitta e Naldo. Você precisa de artistas se o funk está bombando. E tem esta coisa de você saber o que é hit… o que vai estourar… Por mais que você tenha experiência no mercado, não é nada simples. Por exemplo, já passei na sala do artístico e escutei um som que achei horrível, e foi um sucesso. E já ouvi músicas de artistas consagrados que achei lindíssimas e disse ‘vai explodir’, e não venderam…

Quais são as apostas da Sony para 2014 em artista e gênero? Como saber se vingou?

A.S. – Temos dois artistas novinhos que descobrimos na internet, um pop e o outro sertanejo. Eu também aposto muito nos artistas consagrados. Num Djavan, Lulu Santos, Gilberto Gil, Roberto Carlos. Todos eles terão novos álbuns em 2014. Pensamos em um grande lançamento digital e um grande lançamento físico. O próprio Gil tem esse apelo. A internet é muito bacana, o iTunes, o Spotify ou tantos outros canais para saber se a música está fazendo sucesso, mas você sente que realmente lançou uma coisa boa quando quando você está no carro e ouve tocar na rádio… É o que ainda nos faz ficar arrepiados e ter a certeza de que deu tudo certo.

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Raphaela Ribas, do Globo