O diário britânico The Guardian sempre foi bastante respeitado, mas pouco lido fora do Reino Unido. Mesmo assim, é um dos maiores jornais dentre os de língua inglesa e também figura entre as organizações jornalísticas mais importantes e influentes do mundo.
Economicamente falando, o Guardian tem uma situação invejável. O jornal vale cerca de um bilhão e meio de dólares, considerando capital e ativos, possui poucas dívidas, não tem acionistas para desviar dividendos e ainda por cima pode se dar ao luxo de não precisar de assinantes digitais.
Seu sucesso vai além da administração ou do bom desempenho jornalístico, responsável por grandes furos como o estouro do escândalo dos grampos de Rupert Murdoch, a publicação das revelações de Edward Snowden, ou o papel proeminente na onda Wikileaks de 2010.
Apesar de sua excelência jornalística, e também por causa dela – o paradoxo da mídia moderna de comunicação em massa –, o Guardian perdeu centenas de milhões de dólares nos últimos anos, e isso deve continuar a ocorrer no futuro próximo.
Mas como um jornal se mantém no topo, mesmo perdendo dinheiro?
Fundo fiduciário
A resposta está em uma jogada econômica muito bem arquitetada. OGuardian sobrevive com um fundo fiduciário, subsidiado pelos rendimentos e aplicações da empresa britânica Scott Trust Limited. Este fundo mais do que compensou a perda de US$ 51 milhões de dólares no último ano fiscal e manteve o jornal de pé durante o colapso econômico.
Mas por quanto mais tempo estes ativos seriam capazes de bancar as perdas imensas do Guardian? Aparentemente, por muito tempo. Na semana passada, o Guardian Media Group (GMG) vendeu sua participação remanescente em um de seus ativos, o Trader Media Group, para a Apax, a outra dona do Trader, pelo expressivo valor de um bilhão de dólares.
Esta negociação, porém, não é recente. Há um ano, a Apax chegou a fazer uma oferta de US$ 500 milhões ao GMG para levar metade do Trader Media Group. Em setembro, aumentou a oferta para US$ 780 milhões (a qual foi sabiamente rejeitada pelo GMG).
O GMG também opera com 12,5 vezes o seu “lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização” (na sigla “Lajida”), valor muito alto para uma empresa de mídia de crescimento baixo ou nulo. Para se ter uma ideia, a New York Times Company e a Gannet (que publica o USA Today) operam com sete vezes o Lajida; a News Corp (terceiro maior conglomerado de mídia do mundo) com 10,8; a Apple e o Walmart com oito; a Microsoft com 7,7; e a Exxon Mobil com apenas 6,9.
Mantendo o jornal de papel vivo
No último mês de julho, o GMG já continha em seus cofres a soma de US$ 421 milhões, mais um terço de outra empresa chamada Top Right Group, detentora de revistas ligadas ao comércio e empresas de eventos. Caso o GMG negociasse ativos de uma empresa como a Trader Media – um grande “e se” –, poderia levar seu montante a cerca de US$ 450 milhões.
Somando tudo, o GMG teria um patrimônio de quase US$ 1,9 bilhão ou, calculando por baixo, algo em torno de US$ 1,6 bilhão após os descontos de impostos (nos casos em que se aplica, pois o Reino Unido possui isenção de impostos sobre o ganho de capital de empresas). Mesmo que esse dinheiro fosse para investimentos com retorno zero e oGuardian não fosse capaz de cortar sua perda anual de US$ 51 milhões, o jornal poderia ser financiado até 2045, aproximadamente.
Na realidade, o GMG essencialmente utiliza esse dinheiro como um dote, investindo e utilizando parte dos retornos para financiar as perdas do Guardian em perpetuidade, conforme ordena o Scott Trust. Com um pagamento conservador de 4% de ativos por ano, oGuardian ainda poderia ganhar em torno de US$ 64 milhões por ano, continuando a aumentar seus ativos, o que significa que o dólar absoluto também subiria ao longo do tempo.
A diretriz é que estes valores sejam utilizados para apoiar o jornal de papel – isso explica por que oGuardian sobrevive tão bem em meio a tantas crises e continua dentre os maiores do mundo.