Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A arte de mexer com as emoções dos telespectadores

Além de o brasileiro ter um problema sério com interpretação de textos, as reações raivosas contra as opiniões da apresentadora de telejornal Rachel Sheherazade (Jornal do SBT) evidenciam outro grave problema: o desrespeito à opinião contrária.

O episódio mais recente é o caso que aconteceu no Rio de Janeiro. Uma moça encontrou um rapaz nu, amarrado em um poste, no bairro do Flamengo. Ela divulgou fotos da cena em rede social e logo mensagens surgiram dizendo que o tal rapaz é um ladrão e merecedor de punição. Ele disse que foi agredido por um grupo que estava de moto e fugiu. A repercussão foi tamanha que Sheherazade decidiu falar sobre em seu comentário na edição da quarta-feira (5/2). A equívoca interpretação do que ela disse deu a apresentadora o rótulo de defensora de atos violentos dos ditos justiceiros.

Sheherazade apenas escancarou, de acordo com seu ponto de vista, a ausência do Estado na questão da segurança, a omissão. Ela, em nenhum momento, disse que o ato era correto, legal. Nem sequer elogiou os agressores.

Mas a deficiência que há em entender o que o outro diz, principalmente se for algo polêmico e/ou contrário à sua opinião, causa esse tipo de reação maluca. Pior quando a contrapartida vem de jornalistas, representados pelo sindicato da categoria do Rio de Janeiro, chegando ao ponto absurdo de dizer que é prática recorrente da Sheherazade “violar os direitos humanos” em seus comentários.

Verdade factual

O que a apresentadora faz é – e seu objetivo é este – instigar a opinião do telespectador, fazer com que concorde ou não com o que está sendo dito. Esse caso do “ladrão amarrado no poste”, porém, extrapolou o debate democrático e atingiu a esfera dos comentários estúpidos na internet, de pessoas que não compreendem o que é opinião e muito menos enxergam que há inúmeras pessoas que concordam com o que ela disse (diz) – o objetivo aqui não é entrar no mérito desse episódio específico. Por ser tão contundente e embasada, Sheherazade atrai tanto pessoas que concordam quanto discordam dela. E isso varia com o tema abordado.

Exemplo: o comentário mais famoso dela, que a levou ao SBT, foi dito em 2011 na TV Tambaú (Paraíba), emissora local filiada ao canal de Sílvio Santos. Sheherazade ganhou destaque por ter feito uma observação bem explanada sobre o Carnaval, dizendo que é uma festa que, mesmo tendo dinheiro público investido, “só dá lucro para donos de cervejarias e de trios elétricos”. Falou também sobre o direito cerceado de ir e vir, devido às diversas ruas que são fechadas nos dias de folia. O vídeo, visto por mais de um milhão de pessoas no YouTube, gerou a mesma polarização que outros tantos. Contudo, neste, Sheherazade foi bem mais elogiada do que criticada, por ter tido a coragem de falar o que muitos cidadãos pensam, mas não têm a oportunidade de dizer.

Talvez muitas pessoas que estiveram ao lado de Sheherazade em 2011 estejam contra ela, agora. E podem, amanhã, estar a favor de novo. Quando o Jornal do SBT fez uma reportagem especial, em 2013, sobre médicos de hospitais públicos que só batiam cartão em unidades e não trabalhavam, Sheherazade combateu essa prática e recebeu enxurrada de elogios, pois é um tema mais fácil de se indignar.

A mesma pessoa que opinou sobre os abusos realizados em festas carnavalescas, falou sobre os médicos que recebem, mas não trabalham, e sobre a ausência de segurança observada nas ruas do Brasil. Fatos que não fazem de Sheherazade reacionária ou progressista, retrógada ou liberal.

A liberdade de expressão

Sheherazade é uma jornalista necessária, sabe lidar com as emoções do povo. A cada dia da semana são 45 segundos para expor sua opinião sobre o assunto mais polêmico do momento. O objetivo é fazer com que o telespectador reaja com o que é dito, que raciocine, reflita, análise o tema em questão.

A discordância ou não é uma consequência. Desde que, entretanto, venha após uma interpretação correta do comentário.

O problema é que não estamos acostumados em aceitar que exista alguém com uma opinião contrária à nossa e isso causa uma reação burra, pois não atentamos para um fato básico, fundamental para a democracia: a liberdade de expressão.

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João da Paz é jornalista