Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Devemos dar asilo a Edward Snowden?

Já faz oito meses que o ex-analista da NSA Edward Snowden começou a vazar documentos que comprovam os abusivos programas de espionagem do governo dos Estados Unidos. Depois de uma tumultuada fuga passando por Hong Kong, Snowden conseguiu em setembro um asilo temporário na Rússia. No entanto, sua situação é ainda precária e incerta diante das reiteradas ameaças do governo americano. Ele tem poucas opções fora da Rússia e o Brasil é a melhor delas.

As revelações de Snowden mostraram a existência de amplos programas governamentais que monitoram e interceptam mensagens de e-mails, publicações nas redes sociais, ligações telefônicas e mensagens de celular de centenas de milhões de cidadãos em todo o mundo. Embora os jornais tenham dado destaque à espionagem de governantes e grandes empresas, os mais graves abusos foram aqueles direcionados aos cidadãos. Sob o pretexto de impedir o terrorismo, o monitoramento em massa das comunicações pessoais desrespeita a privacidade de todos e instaura um verdadeiro regime global de vigilância.

A privacidade é um direito civil muito importante porque é pressuposto para a liberdade de expressão, para a liberdade de reunião e para a liberdade de organização política. É preciso estar livre do monitoramento do Estado para falar com liberdade, se reunir com liberdade e se organizar politicamente com liberdade. É por esse motivo que as primeiras leis de direitos civis criadas na Inglaterra no século 17 para limitar o governo absolutista proibiram o Estado de interceptar correspondência e invadir domicílios. É nessa longa tradição de proteção aos fundamentos das nossas liberdades que as revelações de Snowden se inserem. Não é por acaso que para justificar os vazamentos, Snowden recorreu aos princípios do tribunal de Nuremberg que julgou os crimes do nazismo em 1945. Um desses princípios estabelece que indivíduos têm o dever de violar as leis de um país para prevenir crimes contra a humanidade.

Custos políticos

Ao vazar os documentos para a imprensa, Snowden colocou-se em sério risco. Sua situação política atual é vulnerável e repleta de incertezas. Promotores americanos acusaram Snowden de “roubo”, “comunicação não autorizada de informação de defesa nacional” e “comunicação voluntária de informação sigilosa de inteligência para pessoa não autorizada” – acusações que podem levá-lo a uma pena de prisão de até 30 anos. Uma vez em solo americano, ele ainda corre o risco de ser acusado de crimes mais graves, como o de “traição” e “entrega de informação de defesa para governo estrangeiro”, ambos sujeitos à pena capital.

Embora esteja asilado na Rússia, uma potência nuclear independente dos Estados Unidos, seu asilo é temporário e a natureza autoritária do regime russo está em desacordo com a proteção das liberdades civis que motivaram sua ação. Suas opções fora da Rússia não são muito animadoras. Os pequenos países da América do Sul com política independente dos Estados Unidos como Venezuela, Equador e Bolívia sinalizaram que o receberiam, mas a verdade é que não têm estatura política para enfrentar os Estados Unidos. A vexatória inspeção da aeronave do presidente da Bolívia na Áustria em julho para verificar se transportava Snowden mostra como países pequenos teriam dificuldade de enfrentar as consequências de um asilo. A incapacidade do Equador conseguir um salvo-conduto e retirar o asilado político Julian Assange da sua embaixada em Londres também mostra a dificuldade de um país pequeno enfrentar os interesses dos Estados Unidos.

As outras opções de Snowden não são muito melhores. Os países europeus estão todos alinhados com a política americana, como bem demonstra o incidente com o presidente Evo Morales que, além da ação do governo da Áustria, teve a colaboração da França, da Espanha e da Itália. Entre os grandes países periféricos, a Índia é um aliado histórico dos Estados Unidos e a China tem um regime ainda mais autoritário que o Russo. O Brasil é talvez o país que melhor reúne as três condições necessárias para dar um asilo adequado a Snowden: ter peso político para suportar a pressão americana, ter uma política externa independente e ser uma democracia liberal com respeito formal aos direitos civis.

A presidenta Dilma Rousseff, no entanto, não tem interesse em conceder o asilo. Embora tenha ficado enfurecida com a espionagem que teve ela mesma e grandes empresas brasileiras como alvo, os custos políticos de um enfrentamento com os Estados Unidos são altos demais. O Brasil só dará asilo a Snowden se a cidadania brasileira pressionar o governo a fazê-lo. Conseguir isso é responsabilidade nossa.

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Pablo Ortellado, ativista, é professor da EACH/USP e coautor de Vinte centavos: a luta contra o aumento