Faz já muito tempo que 2011 passou. Foi em agosto daquele ano que o Google decidiu comprar o braço de celulares da Motorola por US$ 12,5 bilhões. Faz tanto tempo que celulares comuns vendiam ainda mais do que smartphones. Quando 2011 fechou, Samsung e Apple eram responsáveis, cada uma, por 19% das vendas de telefones móveis inteligentes. Em terceiro, com quase 16% do mercado, estava a Nokia e seu terrível Symbian. A elas seguia-se, com 10%, a RiM e seu BlackBerry. A briga prometia ser boa no futuro. As companhias todas estavam à caça de patentes de pequenos detalhes que poderiam impedir as adversárias de implementar certas novidades. Quiçá levar empresas ao tribunal e bloquear alguns lançamentos. Briga feia na qual Apple e Samsung engajaram-se com gosto. Na semana passada, o Google desfez-se da empresa por US$ 2,91 bilhões. Quem a comprou foi a chinesa Lenovo. Não são apenas os quase US$ 10 bilhões de diferença no preço da empresa que mudaram de 2011 para 14. O mercado inteiro se transformou.
Se transformou mesmo. No terceiro trimestre de 2013, que é o último para o qual os números já foram compilados, a Samsung detinha 32% do mercado. Apple, em segundo, 12%. Num distante terceiro, Lenovo com 5%, acompanhada da LG, bem próxima dos mesmos 5%. Boa parte das vendas da Lenovo se concentra na China e países vizinhos. Com a Motorola nas mãos, a empresa ganha mais dois pontos percentuais em sua fatia e, principalmente, uma porta de entrada no maior de todos os mercados: o americano.
O ultrapassado BlackBerry já não deixa mais cheiro, está condenado a desaparecer. O bom Windows Phone tem charme, mas parece incapaz de decolar. Cada trimestre que passa é uma nova pá de cal em ambos. Mas isso não quer dizer que o mundo se divide entre Android, do Google, e iOS, da Apple. E aí está o pulo do gato que fez o Google engolir o prejuízo de US$ 10 bilhões e repassar a Motorola.
Da lista de quatro, três dos líderes fazem, tecnicamente, celulares que rodam o sistema Android. Mas, para a maioria dos usuários da plataforma, não existe um Android puro. O que conhecem é o Android cada vez mais modificado pela Samsung, a léguas de distância do segundo colocado.
Em seus dois ou três anos de Motorola, o Google produziu pelo menos um excelente celular: o Moto X. Intuitivo, bonito, nenhum aparelho se aproxima mais do ideal Google de telefone. E talvez nenhum aparelho seja mais inteligente, mais capaz de reagir à voz ou aos desejos do usuário. Sua impecável integração com a plataforma Google permite que o celular informe horário de voo quando o dono está no aeroporto ou se vai chover de tarde quando ainda é tempo de se precaver. Outros celulares chegarão lá, nenhum fez tão bem quanto o Moto X.
Mas o Google precisava decidir se queria produzir o melhor aparelho do mercado (o que fez) ou se desejava ganhar a guerra. Lentamente, a Samsung estava se distanciando. E, cautelosamente, tocava em paralelo seu próprio sistema operacional. Acaso perdesse a Samsung, o Google corria o risco de tornar-se o novo BlackBerry. Esteve no topo da lista e, em poucos anos, tornou-se insignificante.
É injusto dizer que a aventura de fabricar o celular ideal custou US$ 10 bilhões. Parte do negócio já fora repassado por US$ 2 bilhões, o braço da empresa que fabricava caixas de TV a cabo. Descontem-se alguns outros abatimentos e a conta que sobra sai por uns US$ 7 bilhões. Como o Google segue dono de praticamente todas as patentes, pode-se dizer que a matemática se equilibra. São patentes caras.
Agora há um acordo Google e Samsung na mesa. A empresa coreana se compromete a aproximar a cara de seus aparelhos do ideal Google. As duas combinam um consórcio no qual uma poderá usar as patentes da outra para processar e se defender. E o Google deixa de ser um concorrente no mercado de aparelhos. Ao Google, garante folga. É o dono indiscutível da tecnologia que sustenta smartphones. Em segundo lugar, tem um único concorrente: a Apple. A essas alturas, o resto é o resto.
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Pedro Doria é colunista doGlobo