Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diplomacia arbitrária

Quinze anos atrás, fui escalado pela Rede Globo para investigar como se dava a emigração clandestina de mineiros da região de Montes Claros para os Estados Unidos.

Comprei um passaporte falso e embarquei para Miami com o nome e os documentos de Antônio Washington Telha de Mendonça Neto.

A embaixada americana foi avisada de que tentaríamos ingressar clandestinamente, mas não sabia o porto nem a data do desembarque.

A empreitada gerou duas reportagens. Elas desvelaram as vulnerabilidades do sistema de detecção de intrusão dos Estados Unidos. O “crime” irritou os funcionários do serviço consular americano. Apesar disso, nunca tive negado um pedido de visto de entrada naquele país.

Três [quatro] semanas atrás, recebi com espanto a informação de que Cuba havia recusado visto solicitado pela Band em meu favor. E sem nenhuma explicação. Meu companheiro na viagem anterior a Havana, o cinegrafista Claudinei Matosão, obteve seu visto sem problemas.

A Band cobre todas as viagens presidenciais desde Fernando Henrique Cardoso. Não há registro de negativa semelhante na história do Departamento de Jornalismo. Ao contrário, há uma longa história de colaboração dos serviços diplomáticos estrangeiros com jornalistas, mesmo em situações de catástrofe ou ruptura institucional.

Atitudes despóticas

Cito de memória dois casos para ilustrar o caráter excepcional e ignorante da medida tomada pela ditadura cubana. O primeiro aconteceu em Honduras. Em setembro de 2009, estávamos cobrindo a Assembleia Geral da ONU em Nova York quando o chanceler Antonio Patriota anunciou que a embaixada brasileira em Tegucigalpa havia acolhido o ex-presidente deposto, Manuel Zelaya. Lula só se referia ao presidente em exercício como “golpista”. O Brasil se imiscuía com desenvoltura em um assunto de interesse interno dos hondurenhos.

Ainda assim, e a despeito de a posição imperialista do Brasil ter respingado inclusive nos jornalistas brasileiros enviados a Tegucigalpa, não houve um só pedido de visto recusado pelo governo provisório.

Meses depois, em janeiro de 2010, houve o terremoto do Haiti. A destruição foi tamanha que até o palácio presidencial ficou em ruínas. Não havia um só órgão público funcionando, mas nos serviços consulares funcionários passavam por cima da própria dor para fornecer vistos.

A emissão de um visto diplomático é prerrogativa unilateral do país concedente. Mas há tratados internacionais que têm por fim dar objetividade aos critérios de concessão ou recusa. Considerando-se que Cuba seja uma ditadura, ainda assim não me parece haver razão nenhuma para a negativa.

Imagino –até porque não me foram oferecidas explicações– que os assessores de imprensa da ditadura ilhoa não tenham gostado das reportagens que produzi lá dois anos atrás. Elas tratavam de vários aspectos da realidade cubana. Dos efeitos do embargo americano, da corrupção endêmica, da prostituição descarada, das dificuldades de acesso à internet e dos problemas da dissidente Yoani Sánchez, a quem foi negado mais de 20 vezes o direito de viajar ao exterior.

Nenhuma das reportagens foi objeto de desmentido ou contestação. Se não encontrou motivos para solicitar reparação, por que Cuba negou o visto? Arroubos autoritários não deveriam causar espanto no continente americano. Aqui mesmo, o ex-presidente Lula mandou cassar o visto do correspondente do “New York Times”. Larry Rohter escrevera algo sobre Lula e cachaça.

Atitudes despóticas há em todos os lugares. Mas é sempre bom ter em mente que, nas democracias, não costumam prosperar. Para um jornalista, isso faz toda a diferença. No meu caso, a distimia da diplomacia cubana representou a diferença entre poder ou não exercer meu mister. O incrível é que, mesmo entre jornalistas, a ditadura cubana ainda encontre defensores intransigentes.

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Fábio Pannunzio, 52, é jornalista; venceu o Prêmio Esso de Telejornalismo de 2012