Parte considerável do jornal é preenchida, diariamente, por declarações de autoridades. Reproduzir o que dizem está no piloto automático da Redação: o repórter liga o gravador, dá um retorno sobre o que ouviu ao editor, transcreve as frases e… manda para a página.
Não precisaria ser assim. Com tanta informação disputando espaço, daria para ser bem mais seletivo na escolha de frases oficiais. Quando elas são realmente importantes, o jornal deveria fazer o contraponto para mostrar ao leitor que as coisas não são bem assim.
Na quinta-feira passada, a Folha perdeu duas boas oportunidades de fazer isso. Em entrevista ao jornal, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha disse que o "PCC é uma criação dos 20 anos do governo do PSDB, não existia antes e hoje tem".
A fala, de quem será candidato a governador, foi parar na Primeira Página, mas só no dia seguinte foi publicado um pequeno texto, sob a vinheta "Saiba Mais", explicando que o PCC surgiu em 1993, na gestão de Luiz Antonio Fleury Filho, que, na época, era do PMDB.
Numa prova de que erra para os dois lados, a mesma edição da Folha trouxe o governador Geraldo Alckmin cogitando que o tumulto no metrô tenha sido uma "ação planejada". Para Alckmin, o problema da porta emperrada na estação Sé, estopim do caos, teria sido resolvido em dez minutos, se "um grupo de pessoas" não tivesse acionado os botões de emergência e saído andando pelos trilhos. O secretário de Transportes, Jurandir Fernandes, falou em "vândalos".
Como no caso da entrevista de Padilha, as declarações estavam na capa do jornal. Desta vez, havia algum contraponto, mas fraquíssimo. A reportagem ouviu alguns passageiros dizerem que não aguentavam mais ficar, naquele calor, em vagões superlotados –e sem informação sobre quando o metrô voltaria a funcionar. Nos dois últimos parágrafos, o presidente do sindicato dos metroviários rebatia o governo.
No "Estado de S. Paulo", o título já trazia as duas versões: "Alckmin fala em sabotagem; Metrô admite demora". O relatório dos metroviários aparece logo no início da reportagem, servindo de contrapeso às falas das autoridades.
Algumas vezes, o "não é bem assim" é feito pelos colunistas ou nos editoriais. O "Estadão" abordou a declaração de Alckmin na própria quinta-feira, citando o despreparo do Metrô em lidar com acidentes. "E o pior é que, em vez de reconhecer o erro –primeiro passo para corrigi-lo–, as autoridades estaduais estão buscando desculpas para justificar o injustificável", dizia.
Na Folha, o editorial só apareceu na sexta-feira. Entre as 23 colunas de opinião publicadas até anteontem, nenhuma falava das declarações de Padilha e apenas duas citavam o tumulto no metrô.
Para fazer jus ao slogan de "não dá para não ler", a Folha precisa evitar o "disse ontem Fulano", principalmente agora, que a campanha eleitoral está esquentando.
Aqui você não manda
Leitores reclamaram da publicação do artigo de João Paulo Cunha em Tendências/Debates de domingo passado. Quem escreveu considerou que o jornal estava dando espaço demais ao ex-deputado, que havia sido entrevistado uma semana antes.
Mais do que generosidade com o "outro lado", a Folha parecia estar dando um recado ao presidente do STF, Joaquim Barbosa, que disse: "A imprensa brasileira presta um grande desserviço ao país ao abrir suas páginas nobres a pessoas condenadas por corrupção".
Pesquisas e 'pesquisas'
Saiu na "Ilustrada" que uma pesquisa inglesa mostrou que a TV Cultura é a segunda mais admirada por sua programação em todo o mundo, perdendo só para a BBC, que foi a financiadora do estudo. No Brasil, a rede estatal ganha de longe da Globo (31/1).
O "Tec" noticiou que 97% das crianças brasileiras, filhas de pais que usam a internet, estão conectadas (27/1). Quem pagou a pesquisa foi uma empresa de cibersegurança. Os dois levantamentos foram feitos pela internet. No Brasil, só metade da população tem acesso à rede. Qual a garantia que a amostragem representa o país? Os jornalistas precisam conferir a metodologia das pesquisas antes de divulgar resultados.