1 …não tivesse acompanhado a violência das manifestações de rua que semana passada feriu e acabou matando o cinegrafista da Rede Band, Santiago Andrade, 49 anos. O brasileiro não é cordial, temos tragédias e xenofobias como as que correm soltas pelo mundo, e temos guerra, sim, na nossa rua, em frente de casa, todos os dias.
2 …não tivesse lido a coluna de Elio Gaspari (O Globo e Folha de S.Paulo, 2/2) sobre o nascimento com Síndrome de Down do quinto filho de Eduardo Campos, candidato à presidência da República (PSB) . Se não tivesse lido não teria mudado minha opinião sobre as críticas ao governador de Pernambuco que utilizou verbas públicas para anunciar a chegada do bebê (29/1). E continuaria na mesma se apenas tivesse visto no Estado de S.Paulo de sábado (8/2) a ótima foto de Marina Silva segurando a cabeça do recém-nascido no colo da mãe Renata – o governador no canto esquerdo da imagem – ilustrando a matéria “Partidos que acatarem diretrizes são bem-vindos”, com box sobre twitter e suíte “PSB rejeita atuar em parceria com tucanos na Câmara”.
Tudo soaria mal como o velho uso de crianças por políticos tarimbados, no caso Campos e Marina, que sempre acharam um jeitinho de se apresentar em ano eleitoral posando de bons pais, chefes de família eficientes, paternais/maternais futuros dirigentes da nação oprimida. Como soou uma das campanhas de final de ano do governador de São Paulo, Geraldo Alkmim ( PSDB, dezembro do ano passado), onde o candidato a governador do estado defendia seu pedaço de mãos dadas com a mulher que o olhava com admiração e o acariciava. Leia-se: somos uma família feliz, cristã e unida para defender você. A campanha soou tão mal que saiu rapidamente do ar.
Enredo sem saída
Mas eu tinha lido Elio Gaspari (“O belo nascimento do menino Miguel”) começando com João Cabral de Melo Neto – “não há melhor resposta do que o espetáculo da vida” – e comentando:
“É raro que ocorram episódios comoventes da esfera privada da política brasileira.
“A imediata divulgação pelo governador Eduardo Campos de que seu quinto filho nasceu com síndrome de Down, e a forma como ele e sua mulher, Renata, lidaram com isso, justifica a transcrição da mensagem que postaram na quarta-feira:
‘Hoje, os médicos confirmaram o que já estava diagnosticado há algum tempo. Miguel, entre outras características que o faz muito especial, chegou com a Síndrome de Down. Seja bem vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado’.”
Miguel nasceu com Síndrome de Down, fato que a imprensa esconde até para criticar o anúncio do nascimento pelo governador. O que muda tudo no julgamento do leitor e só dignifica Campos.
3 …não tivesse lido com atenção o artigo de Lúcia Guimarães no caderno Metrópole do Estadão (sábado, 8/2, pag. 26) e o pé da página da seção Mundo da Folha de S. Paulo no mesmo dia (“Em Cima da Hora”)… Nesse caso não teria a versão de Woody Allen que semana passada levou a pior noaffair Mia Farrow. Até porque o blog de Nicholas Khristof no The New York Times só publicou um lado da denúncia de abuso sexual de Allen feito à sua filha adotiva, Dylan Farrow.
Agora, por lei, Khristof foi obrigado a revelar a posição de Allen no blog na sexta-feira (7/2), publicado no NYT de domingo (9). Depois de transcrever a conclusão da investigação policial em 1993 alegando que Dylan não havia sido molestada pelo pai, Allen afirma que Mia participou da construção narrativa da filha e foi responsável por colocar os filhos contra ele.
Também atacou o caráter de Mia quando diz que o único filho biológico dos dois, Satchel Allen, nome alterado mais tarde para Ronan Farrow, poderia ser de Frank Sinatra.
“Ele é mesmo meu filho? Ele se parece muito com Frank, com seus olhos azuis, mas o que isso quer dizer? Que durante todas as audiências de custódia Mia mentiu sob juramento quando dizia que ele era nosso filho? Mesmo que ele seja meu filho, a possibilidade de que Frank seja seu pai quer dizer que os dois mantiveram contato íntimo durante o tempo em que estivemos juntos. Isso para não falar do dinheiro que paguei de pensão. Eu estava sustentando o filho de Frank? Gostaria de chamar atenção para a integridade e honestidade de uma pessoa que vive sua vida desta forma.”
No final diz que amava Dylan e que, espera, um dia ela perceba como foi enganada, “deixando de ter um pai amoroso e passando a ser explorada por uma mãe mais interessada em seu próprio ódio do que no bem estar de sua filha… Ninguém quer desencorajar vítimas de abuso de denunciar seus agressores, mas é preciso ter em mente que ser falsamente acusado também é muito destrutivo. Esta será minha palavra final sobre esta questão e ninguém vai responder por mim em comentários mais adiante. Um número suficiente de pessoas já foram feridas”.
Dylan respondeu algumas horas depois no website da revista Hollywood Report (carta reproduzida no domingo, 9/2, e no Estadão no mesmo dia) dizendo que Allen mentiu. Neste fim de semana, Veja em duas páginas conclui que “nada de seguro pode ser afirmado”, e Época em quatro páginas diz que “a Justiça americana não chegou a nenhuma conclusão sobre o abuso” e que não há evidências que comprovem o relato de Dylan, nome alterado para Malone.
Quem esclarece mais é o filósofo Renato Janine Ribeiro no caderno “Aliás” do Estadão de domingo (9/2), recorrendo à vingança de Medeia em “Pode haver ex-pai?”. A repercussão do caso foi tanta porque expõe duas histórias de incesto. Uma delas, a relação de Allen com Soon-Yi, incesto por derivação, incesto falso porque não eram pai e filha e gerou um casal feliz. O segundo, sim, seria incesto, mas nunca comprovado e sugerido pelos psiquiatras do tribunal que as crianças teriam sido “coached”, treinadas pela mãe para depor contra ao pai. O filho biológico talvez não seja de Allen mas de Sinatra; Dylan não é mais Dylan, e sim Malone; Satchel agora é Ronai; Moses, que pediu que o pai se suicidasse na época do divórcio com Mia, agora acusa a mãe de lavagem cerebral nos filhos. “De repente, caiu um raio sobre essa tribo” e, conclui o filósofo, “provavelmente nunca saberemos… num enredo sem saída”. Veja foi no ponto: “Nada de seguro pode ser afirmado, a não ser isto: os filhos de Mia Farrow e Woody Allen não tiveram boa infância”.
Todos são vítimas
4 …se não tivesse visto a foto do filho do cineasta Eduardo Coutinho, 80 anos, Daniel, 41 anos, que matou o pai a facadas no domingo (2/2) e com a mesma faca apanhada na cozinha feriu no peito e na barriga a mãe, Maria das Dores Oliveira, 61 anos, quando o casal dormia. Em seguida tentou se matar com duas facadas e nesse momento se deu conta do que havia feito e pediu ajuda a um vizinho. A foto de OGlobo (7/2) assusta pelo tamanho e olhar parado de Daniel, que parece não ter a compreensão dos atos nem da vida que cortou.
Ferreira Gullar, na Época deste fim de semana (“Ele queria conhecer menos a si e mais aos outros”), conta sua relação pessoal com o cineasta que conheceu no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, em 1962, quando Coutinho pediu para fazer um filme baseado no tema de um poema de Gullar, “João Boa Morte, cabra marcado para morrer”. O poeta diz que Coutinho nunca disse nada sobre o problema do filho. “Não sabia que ele vivia algo semelhante ao que aconteceu comigo.” Gullar teve dois filhos com esquizofrenia. “Um desfecho trágico como esse poderia ter acontecido comigo?”, Gullar se pergunta e responde que não. Um dos filhos morreu de cirrose hepática em 1992 e o outro foi levado para um sítio em Pernambuco. “A mudança para o sítio fez bem ao meu filho. Longe do Rio ele se afastou das drogas… Melhorou em todos os aspectos.”
Gullar insiste: “Num surto a pessoa – esquizofrênica – pode agredir os outros e se destruir. A única saída para defendê-lo e defender quem está em volta é a internação”.
Daniel morava com os pais na Lagoa. O diretor da Divisão de Homicídios, delegado Rivaldo Barbosa, explica que “todos são vítimas: pai, mãe, filho e sociedade”. Na televisão, no dia da tragédia havia esclarecido: “Não tentem misturar as coisas”. Esquizofrenia é doença, mas matar é crime! Daniel está na cadeia para presos comuns na Polinter de São Gonçalo e o irmão Pedro, promotor em Petrópolis, quer transferi-lo para o Manicômio Judiciário. Doença não justifica crime.
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Norma Couri é jornalista