A história está mal contada. E mesmo assim a imprensa a entrega ao freguês como absolutamente verdadeira, verossímil. E inquestionável.
Dois jornalistas do Rio, ambos da Folha de S.Paulo (Janio de Freitas e Paula Cesarino Costa), não engoliram a armação (quinta, 13/2, págs. A-7 e A-2). Mas não são todos os leitores que se dispõem a ler comentários dissidentes, céticos, em textos distantes do noticiário, das fotos e da badalação marqueteira (ver “Sem resposta” e “Quem são eles?”).
Nas matérias factuais sobre a caça aos responsáveis pela morte de Santiago Andrade, transparece o desdém pela inteligência do leitor. Vale o que dizem as fontes e autoridades. Porém, tanto as fontes como as autoridades parecem empenhadas em encerrar o caso atribuindo a culpa pela violência nas manifestações a partidos e políticos de extrema esquerda.
E por que não se investiga a hipótese de que o aliciamento dos baderneiros faz parte da estratégia das milícias para desacreditar o governo estadual e as autoridades policiais?
Foi impecável o trabalho de edição e análise do material televisivo apresentado pela TV Globo no sábado (8/2) com a ajuda do perito Nelson Massini. Graças a ele foi possível identificar com incrível rapidez e chegar ao Bandido nº1, Fabio Raposo, e dois dias depois ao nº 2, Caio de Souza, corresponsáveis pelo disparo do rojão que matou o cinegrafista da Band.
Esta “incrível rapidez” é que chama a atenção. No domingo (9), o Bandido nº 1, ainda na condição de suspeito, já havia contratado um advogado, se apresentara à polícia e era longamente entrevistado pelo Fantástico.
Na quarta-feira (12), o Bandido nº 2 era localizado numa pousada em Feira de Santana (BA), já com um advogado a tiracolo – o mesmo do outro! – e dava entrevista à Globo antes de embarcar para o Rio sob escolta policial.
A informação de que os arruaceiros recebiam dinheiro de políticos para radicalizar os protestos foi dada por Caio de Souza e confirmada pelo advogado, Jonas Tadeu Nunes. Se ele conhecia esta conexão política, por que razão não a adiantou à polícia tão logo prenderam o Bandido nº 1?
Contra a democracia
E quem é este super-causídico que se desloca com tanta rapidez e eficiência para atender clientes aparentemente sem conexão e, de repente, implicados no mesmo crime? Jonas Tadeu Nunes não parece o clássico rábula de porta do xadrez. Tem escritório num shopping fuleiro do Recreio dos Bandeirantes, tem amigos na polícia civil do Rio, já defendeu um ex-deputado estadual (Natalino Guimarães) acusado de fazer parte das milícias e tem entre os clientes um ex-coronel da PM fluminense, exonerado pelo secretário de Segurança do Estado do Rio. Alega que o Bandido nº 1 era conhecido do estagiário do seu escritório e que chegou ao nº 2 porque eram amigos.
A suspeita de que partidos de extrema-esquerda são aliciadores dos vândalos permeia insistentemente o noticiário desde segunda-feira (10/2) sem comprovações ou indícios concretos. A presença do advogado Jonas Tadeu Nunes não despertou desconfianças.
Neste mix de tons de cinza, siglas, militâncias e agentes provocadores circula a figura sofisticada da “ativista” Elisa Sanzi, vulgo Sininho. E a partir da edição de quinta-feira do Globo, incorporou-se ao insólito grupo o ex-governador Anthony Garotinho (hoje no PR tentando chantagear o PT), desde o ano passado acusado de ser o instigador da cruzada contra o governador Sérgio Cabral Filho.
O ingrediente mais preocupante desta desconjuntada cobertura começou logo depois do anúncio da morte cerebral do cinegrafista da TV Bandeirantes, quando a mídia em peso lançou-se numa emocionada cruzada em defesa da liberdade de expressão. Na sua edição de quinta-feira (13/2), seis páginas do Globo levavam no cabeçalho o selo “Ataque à Liberdade de Expressão”, numa evidente exploração política da tragédia.
Tanto os vídeos como os depoimentos da dupla de bandidos coincidem em demonstrar que o rojão-assassino foi aceso e colocado no chão. Não foi apontado contra o cinegrafista, nem contra alguém em especial. O cadáver que se procurava era o da democracia.
A liberdade de expressão corre perigo sempre. Em qualquer momento e lugar. Mas, sobretudo, quando seus beneficiários e defensores se atrapalham e não sabem o que fazer com ela.
Leia também
Hora de fazer política – Mauro Malin
Mataram um jornalista, atingiram a democracia – A.D.
A linha que define o noticiário – Luciano Martins Costa
Duas faces da barbárie cotidiana – Sylvia Debossan Moretzsohn
O jogo perigoso da especulação – L. M. C.
Black tadinhos – Rogério Gentile
A notícia como espetáculo – L. M. C.