Compilar um dicionário de quase todas as palavras que fazem parte da língua inglesa foi um empreendimento típico dos tempos vitorianos e, como estes, caracterizado por cavalheiros de barbas brancas, confiança absoluta e um ritmo agradavelmente tranquilo. A primeira parte do dicionário foi lançada em 1884, após 25 anos. Seu conteúdo: “A até Ant”.
Nestes nossos tempos impacientes, contudo, o Oxford English Dictionary (OED) está avançando em direção a uma terceira edição, com 619 mil palavras definidas até agora, atualizações online a cada três meses e uma enxurrada de dados digitais a serem vasculhados.
Pela primeira vez em 20 anos, o dicionário respeitadíssimo tem um novo editor-chefe, Michael Proffitt, de 48 anos, que assume a responsabilidade de conservar as tradições e, ao mesmo tempo, garantir a relevância do dicionário em uma era de definições tiradas do Google e do jargão das mensagens de texto. Proffitt demonstra respeito pelas tradições, mas igual disposição em rever o dicionário. “O que eu penso sobre dicionários é que, de certo modo, seu tempo se esgotou”, disse. “As pessoas precisam de filtros muito mais do que precisavam no passado. Por mais que eu adira à reputação pública do OED, quero a comprovação de seu valor em termos de utilização prática.”
Proffitt defende a inclusão, em literatura digitalizada, de links com verbetes do OED; quer que o dicionário seja mais utilizado por estudantes, para os quais a distinção entre “dicionário” e “busca na web” é cada vez menos clara.
Como a linguagem é usada
O OED sempre se destacou, não apenas por suas definições abalizadas, mas sobretudo por suas citações históricas, que rastreiam o uso dos termos ao longo do tempo. A primeira edição, proposta em 1858 com a previsão de ser concluída em dez anos, ficou pronta 70 anos depois, em 1928. A segunda edição saiu em 1989, com 21.730 páginas. A terceira edição começou a ser produzida em 1994, com a expectativa de ser concluída em 2005. A previsão foi ligeiramente imprecisa -segundo a estimativa atual, a edição deve ficar pronta em 2037.
Mas, não obstante o admirável rigor do OED, é provável que hoje em dia o dicionário seja mais reverenciado que utilizado. Parte do problema está em seu preço. Uma cópia da segunda edição, que tem 20 volumes, custa US$ 995, e a assinatura digital sai por US$ 295 por um ano. Embora o OED tenha sobrevivido às reviravoltas da internet que devastaram outras obras de referência, o dicionário ainda não se capitalizou plenamente nesse meio. Proffitt está ansioso por fazê-lo, talvez com preços mais baixos. “Muitos dos princípios iniciais do OED continuam firmes, mas o modo como o dicionário se manifesta e o modo como chega até as pessoas precisam mudar”, disse Proffitt, que foge bastante da imagem do acadêmico do passado, tendo aludido com satisfação ao fato de ter redigido o verbete de phat (“a. Relativo a uma pessoa, esp. uma mulher: sexy, atraente. b. Esp. relativo a música: excelente, admirável; na moda, cool”).
No século 19, o principal obstáculo à criação do dicionário que abrangeria “todas as palavras que ocorrem na literatura da língua que ele afirma ilustrar” seria localizar citações apropriadas. Hoje, a equipe editorial, composta por cerca de 70 pessoas, lida com informação em demasia.
“Ouvimos tudo o que vem acontecendo no mundo da língua inglesa nos últimos 500 anos, e é ensurdecedor”, disse o editor associado, Peter Gilliver, que certa vez passou nove meses revendo definições da palavra run, atualmente o maior verbete isolado presente no OED.
A maior parte das citações usadas nos primórdios do dicionário veio de textos literários. Mas o texto atual é muito mais inclusivo, abrangendo posts de blogs e do Twitter, frases tiradas de lápides de túmulos e uma inscrição em um anuário escolar. O objetivo é encontrar as primeiras e mais ilustrativas utilizações de uma palavra, não ungir alguma coisa como sendo parte do “inglês castiço”. Cada vez que comentaristas repreendem o OED. por incluir gírias de adolescentes ou jargão de marketing, se equivocam em relação aos objetivos do dicionário, que não visa a definir como a linguagem deve ser usada, mas como é usada na realidade. “A visão do contexto histórico muitas vezes convence o leitor de que algo que parecia ser uma regra inabalável não o é. E, do mesmo modo em que a linguagem se modifica, suas utilizações também mudam. Quanto mais um povo é flexível em relação à linguagem que usa, maior é a probabilidade de ele prosperar.”
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Tom Rachman, do New York Times