Bons jornalistas investigativos geralmente têm acesso a mais informações do que podem realmente divulgar. O problema em alguns países da América Latina é que bons repórteres estão passando a não denunciar mais nada, como informa Carlos Lauría [Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 14/2/06]. Do Brasil até a fronteira do México com os EUA, jornalistas estão se censurando, principalmente os que cobrem áreas rurais isoladas. Em grandes metrópoles, ainda se publicam notícias sobre corrupção ou críticas ao governo. Mas nos locais nos quais o poder do governo central é fraco ou inexistente, os jornalistas estão à mercê de qualquer um que tenha uma arma.
É verdade que a autocensura não é algo novo na América Latina, onde ditaduras militares fechavam empresas de mídia caso estas fossem inconvenientes ao governo. O problema atual é que a autocensura está aumentando com o crescimento do narcotráfico, do crime organizado e do contrabando. Editores de jornais de países como Colômbia, México e Brasil vêm abandonando a prática do jornalismo investigativo em áreas onde instituições como a polícia e o judiciário não garantem a segurança de seus profissionais.
A mídia na Colômbia, cercada por rebeldes, exército e paramilitares pró-governo, silencia por medo de retaliação de qualquer um destes lados. No México, traficantes de drogas e chefes de gangues vêm intimidando repórteres em cidades de fronteira com os EUA. Jornalistas que se arriscam a fazer denúncias costumam pagar com a própria vida. Até mesmo na Venezuela e no Brasil, onde a ameaça à imprensa é menor, editores estão deixando de publicar determinadas matérias para se preservarem.
A maior vítima do silêncio auto-imposto, entretanto, é a democracia. Assuntos delicados como o contrabando de recursos naturais, tráfico de drogas e de pessoas e corrupção não são expostos para debate público. Mas ainda há esperança. Segundo Lauría, alguns repórteres começaram a reprimir tais restrições, e hoje estão mais abertos a conversar sobre autocensura e seus medos.
O que há por trás da autocensura
Chip Mitchell, correspondente do CPJ em Bogotá, na Colômbia, viajou para as três áreas mais problemáticas do país – Arauca, Córdoba e Caquetá – e entrevistou 36 profissionais de mídia para um relatório intitulado ‘Histórias não contadas’, publicado em outubro. Mitchell descobriu que editores são pressionados a censurar as notícias por aqueles que são alvos de investigações. Os jornalistas e editores que ignoram os avisos são assassinados ou forçados a deixar o país. Freqüentemente, a polícia nem investiga crimes cometidos com membros da imprensa. Os assuntos que não são divulgados por estas razões costumam ser violação dos direitos humanos, conflitos armados, corrupção política e corporativa, tráfico de drogas e associações entre autoridades e grupos armados.
Em alguns casos, autoridades encorajam a autocensura e acusam jornalistas de terem ligações com as guerrilhas. Em Saravena, província de Arauca, o único jornalista que ainda trabalha integralmente no local, Emiro Goyeneche, foi acusado de ter participação na guerrilha e ser um rebelde e por isso ficou preso por mais de 20 meses. Jornalistas locais elogiam seu trabalho e acreditam que a acusação contra ele é infundada. Quase todos os repórteres de Arauca deixaram a província em 2003, depois de dois radialistas terem sido assassinados em um período de nove meses. Ameaças de morte vindas de rebeldes e paramilitares, além da divulgação de uma misteriosa lista de morte com o nome de 16 jornalistas, contribuíram para o êxodo.
Oficiais do alto escalão, incluindo o presidente Álvaro Uribe, também tentam associar os jornalistas às guerrilhas. Em uma coletiva com executivos da mídia, o presidente colombiano pediu às empresas de comunicação para exercerem o ‘autocontrole’ e a considerarem proibir a publicação de entrevistas com membros de grupos armados ilegais. O sistema judiciário da Colômbia é incapaz de resolver os cerca de 30 casos de assassinatos de jornalistas ocorridos na última década, perpetuando o clima de impunidade.
As questões econômicas também estão por trás da autocensura. A maioria das empresas de mídia não conta com muitos recursos ou profissionais; seus proprietários esperam que os repórteres vendam anúncios publicitários e os incentivam a não produzirem matérias sobre empresários e políticos que anunciam em suas páginas.
Menos jornalistas assassinados
A única boa notícia resultante da autocensura é que menos jornalistas têm sido assassinados. De acordo com um relatório divulgado em setembro pela Organização dos Estados Americanos, os jornalistas colombianos não estão cobrindo assuntos que podem lhes custar a vida. O relatório, intitulado ‘Impunidade, Autocensura e Conflito Interno Armado: uma Análise do Estado de Liberdade de Expressão na Colômbia’ e preparado por Eduardo Bertoni, revela que a ‘queda nas estatísticas sobre violência aos jornalistas diminuiu devido à autocensura’.
No norte do México, a situação é semelhante. O tráfico de drogas e o crime organizado transformaram a região em um dos lugares mais perigosos da América Latina para os jornalistas trabalharem. Desde que a guerra entre cartéis de drogas foi intensificada, há dois anos, vários jornalistas que trabalham na fronteira do país com os EUA passaram a silenciar porque as autoridades são incapazes de fornecer a mínima proteção a eles. ‘Não podemos fazer jornalismo investigativo sobre estes assuntos, pois o Estado não garante a segurança de nossos repórteres’, afirma Heriberto Cantú, diretor editorial do jornal El Mañana, fundado em 1932, cujo editor Roberto Javier Mora García foi assassinado em 2004.
Segundo o relatório, o Brasil também continua sendo um lugar perigoso para jornalistas, que são alvos constantes de políticos corruptos, criminosos e traficantes. Quatro jornalistas foram mortos por causa de seu trabalho nos últimos cinco anos no país, de acordo com o CPJ. Repórteres de cidades como São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro têm mais proteção do que aqueles de regiões isoladas da Amazônia ou da região Nordeste. Em abril, Maurício Melato Barth, editor e proprietário do jornal quinzenal InfoBairros, de Itapema, em Santa Catarina, que vinha denunciando corrupção política, escondeu-se com sua família duas semanas depois de ser atacado por homens armados.
Na Venezuela, a situação é mais complicada porque a autocensura resulta de restrições legais. Emissoras de televisão privadas alteram sua programação – evitando divulgar imagens de protestos violentos, por exemplo – para respeitar a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão, aprovada pela Assembléia Nacional e transformada em lei pelo presidente Hugo Chávez em dezembro de 2004.