Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo, ideologia e poder na repercussão midiática

Sabemos que os meios de comunicação de massa possuem um poder de influência surpreendente sobre sua audiência, com diversos níveis de gradação. Os nuances ideológicos em suas mensagens podem não ser hipnóticos e irreversíveis, como pregava a Teoria Hipodérmica da Escola de Chicago. No entanto, jamais são ignoradas (WOLF, 1998). Nesta lógica, pode-se entender que os veículos de comunicação televisivos ligados à prática jornalística possuem um papel determinante quanto à formação de opinião de um determinado público, sobre determinado assunto.

Pierre Bourdieu (1997), em seu livro Sobre a Televisão, a partir do seu conceito de Campo, delimita o campo jornalístico. Para o autor, o campo jornalístico – assim como todos os outros – é uma arena de disputa em torno de diversos capitais simbólicos. Grosso modo, o jornalista não escreve para seu público, e sim, para seus pares, a fim de conquistar o capital de reconhecimento e status.

Enquanto os jornalistas se “matam” em torno do reconhecimento, acabam se tornando meros instrumentos de reprodução da ideologia vigente e de seus patrões, que buscam outros capitais. A dinâmica empresarial e a lógica capitalista desenfreada torna a notícia um produto descartável e o jornalista um mero peão. Tudo para buscar o capital dourado da televisão: a audiência – que vai se converter em finanças para as empresas de comunicação.

Puro agendamento

A partir destas reflexões iniciais temos três fatos que se articulam como uma lógica piramidal:

1) A mídia exerce um tipo de poder e influência junto à opinião pública e na formação do senso comum;

2) A prática jornalística tem um papel fundamental neste processo. O jornalista, mais preocupado com seu mundinho – e aqui entra toda uma dinâmica de sobrevivência –, acaba servindo a um propósito que não julga ético;

3) A doce audiência, tão necessária na dinâmica televisiva, é gerada e gera dividendos, voltando ao início do processo e gerando a necessidade de poder e influência da mídia sobre a sociedade.

Esta tríade é justamente o que sustenta a repercussão midiática do recente incidente ocorrido em um protesto no Rio de Janeiro, quando um manifestante – membro de um black block – disparou um rojão que acidentalmente – ou não – levou ao óbito Santiago Andrade, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes.

Explico: se fosse um cidadão comum, a mídia não estaria tão comovida. Como a vítima é integrante do campo midiático, do mundinho jornalístico, a questão virou pessoal. Tudo pode ocorrer. “Se um dos meus pares for atingido, meu grupo identitário será ferido coletivamente.”

Até então, a grande mídia vivia se contradizendo em relação aos Black Blocs e às manifestações quase diárias em nosso país. Era algo esquizofrênico: os patrões acreditavam que a ordem estava sendo ferida. Já os funcionários, não acreditavam necessariamente nisso. Desta dinâmica surgiam matérias que surtiam mal-estares em toda a sociedade. Falavam uma coisa, mas queriam dizer outra.

Agora, não. O discurso se alinhou. O incidente acabou por servir como combustível para aqueles que se sentem prejudicados pelas manifestações – os detentores do poder hegemônico. A opinião pública e o senso comum acabam sendo direcionados com maior competência para uma visão negativa dos protestos. Puro agendamento.

E os jornalistas que sempre apoiaram discursivamente os protestos, recuam um tanto. Uns chocados pelo fato. E outros com receio de irem contra seu grupo de pertença. É mais confortável ir com a maioria, quando a desculpa é lógica.

Osimbólico imagético

Agora existe uma boa desculpa para que a mídia reforce a ideia de que não se devem usar máscaras durante os protestos. De que o anonimato é perigoso. De que se o fato feriu a classe jornalística, foi um golpe certeiro na democracia. É certo que, em meio a todo este caos, existem aqueles que se aproveitam para consumar seus desejos de violência reprimidos. A questão é que agora, com a mídia como escudo, a generalização é possível.

Daí que esta maquiagem de bom mocismo que justifica várias coisas, dentre elas uma caça às bruxas, favorece o sensacionalismo em cima do fato em questão. É o “calço” que faltava para sustentar o simulacro – definido por Baudrillard (1991) – que estava “balançando”, quase caindo, meio “emborcado”… É o mais puro viés ideológico: polarização do bem e do mal. Polêmica, fermento da audiência. Puro espetáculo.

E enquanto isso, as notícias sobre as vergonhosas obras da Copa por todo o Brasil não possuem o destaque necessário. Milhões são desviados. Pessoas morrem no trânsito. Dinheiro do contribuinte tendo outros fins, dentre outras milhares de questões. A repercussão deste caso proporcionada pelas grandes emissoras de televisão acaba servindo como uma forma competente de desviar a atenção e formar uma opinião “adequada” do público, de arregimentar audiência e consequentemente acumular capital financeiro.

Finalizando, é interessante analisar o quão irônico imaginar que as mais complexas situações de formação de opinião repercutem a partir sentenças simples, inocentes. “Cinegrafista, não. Cameraman, não. Repórter cinematográfico é o correto.” Tal frase, repetida centenas de vezes nas redes sociais e entre os jornalistas em seu cotidiano reforçou de forma propagandista a ideia de negar que Santiago Andrade não pertencia ao grupo.

Se palavras são fortes, o simbólico imagético mais ainda. À vítima resta a glória pós-morte de ser um mártir da comunicação. Para a tristeza e indignação dos jornalistas e comunicadores. Para o constrangimento da sociedade. E para a alegria dos membros do pequeno e seleto grupo que detém o poder em nosso país.

Referências

BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. São Paulo: Ed. Relógio D’água. 1991.

WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença. 1987.

BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

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Rafael Rodrigues Lourenço Marques é professor de Teorias da Comunicação em Cuiabá, MT