Calma, gente! Antes de amarrar mais alguém ao poste, vamos respirar fundo e tentar usar a cabeça?
Não tem aroma de corvo queimado o governador Sérgio Cabral, inimigo político de Marcelo Freixo, dizer que “grupos políticos” patrocinam “black blocs”? E não possui um peculiar odor de ralo o doutor Jonas Tadeu Nunes, advogado dos acusados pela morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, se dar ao luxo de aconselhar agentes da lei a investigar “vereadores, deputados e diretórios regionais de partidos” para desvendar quem são os responsáveis pela violência das manifestações cariocas?
Você, meu dileto leitor, compraria uma máquina lava-louças usada do Sérgio Cabral? E o doutor Jonas, que por coincidência vem a ser representante legal de Natalino Guimarães, um dos mais poderosos milicianos da Baixada Fluminense, você o convidaria para tomar um guaraná na esquina?
Pois é, a esta altura, eu também não. Mesmo porque não uso lava-pratos. Mas veja que curioso: está assim, ó, de gente que acredita sem pestanejar nessas acusações.
Pessoal tá cansado de saber que os “black blocs” nasceram na Europa e não têm pessoas como alvo. Em São Paulo, eles só começaram a surgir depois da segunda passeata para se proteger dos tiros de borracha e do gás lacrimogêneo, alguma novidade até aí?
Mas parece que nenhum argumento ou fato serve para apaziguar os nervos de quem nutre a ideia fixa de “projeto bolivariano” em curso na América Latina, com uma miríade de partidos de esquerda no horizonte, que estariam dispostos a desestabilizar a ordem pública por alguma razão que… Bem, eu realmente não saberia concluir o raciocínio, de tão acéfalo que é. Porque basta usar apenas um neurônio para saber que o que dispersou as manifestações não foi a violência de “black blocs” ou, sei lá, de besouros lilases gigantes ou duendes (vá entender? Essa turma não acredita no que diz Tuma Jr.?).
Leque ampliado
O que dissipou os protestos foi falta de liderança, de propostas, de organização e de perseverança. Parece pouco, ora bolas? Não venham dizer que o quebra-quebra promovido por uns gatos pingados foi capaz de esvaziar o ânimo de um país inteiro, porque, se é assim, somos uns fuinhas.
Em “Raízes do Brasil”, Buarque de Holanda pinça os motivos da histeria atual: “A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios”. As manifestações de junho só empolgaram o andar de cima pela oportunidade de ver ali uma forma de varrer “bolivarianos”. Mas carnavalizaram, pessoal foi para Portillo, St. Tropez ou se perdeu em protestos sem respaldo legal (“Fora, Haddad”? Como assim?). Sem gás, vieram as “manifestações pocket”, pedia-se tudo, resultou em nada.
Passados oito meses, a coisa desvirtuou. A infiltração de fato existe. Mas ela parte dos presídios, dos grupos organizados, nascida por vingança. Uma desordenzinha pré-Copa, só para azucrinar.
No Rio, porque as vans clandestinas foram proibidas de circular na orla. E, em São Paulo, pela turminha de sempre, que queima em média um ônibus ao dia, porque peruas não podem mais circular nos corredores de ônibus de locais como Jardim Ângela, Capão Redondo e Adolfo Pinheiro. Kassab proibiu e Haddad ampliou o leque da proibição. E os meninos que se sentem acolhidos pela bandidagem, porque não o foram pelo Estado, são cooptados a se “fantasiar” de “black bloc”, deixando a clientela do shopping à beira de um ataque de nervos. Calma, gente!
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Barbara Gancia é colunista da Folha de S.Paulo