Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Observações de viagem

É sempre salutar, quando as circunstâncias permitem, poder olhar o Brasil de um ponto mais distante. Assim é que, ao longo do mês de julho, saí percorrendo partes da Europa. De lá, via internet, pude acompanhar o noticiário, em meio a cascatas de denúncias e episódios grotescos, a exemplo dos dólares na cueca. Embora não seja novidade, é fora do Brasil que mais ainda se percebe o quanto o país é midiático. Efetivamente, vivemos numa sociedade que respira mídia todo o tempo, bem como ela se faz presente em todos os lugares.

Faço o registro acima tendo na memória sucessivas andanças por ruas e praças de Budapeste, Praga, Viena, Berlim, Copenhagen, Oslo, Estocolmo, para ficarmos apenas nas capitais, e o que menos presenciava era exposição de jornais e revistas, ou mesmo pessoas lendo periódicos em cafés ou em metrô. Não menos raro também deparar-me com postos de venda. Nada além de alguns exemplares de jornais e revistas, expostos no chão, sobre plástico, próximos à entrada de uma estação de metrô numa das ruas de Viena. Outros aqui e ali, em modestas estantes, no interior de lojas de variedades (ou ‘conveniências’). Nada mais. Uma banca sequer.

Lá, diferentemente do que se constata em Paris, Roma e Londres, a maior parte da população recebe jornais e revistas, por assinatura, em suas respectivas residências. Nelas lêem rapidamente o que de maior interesse encontrem e saem para suas agendas diárias. A sensação que fica é a de que a vida da população não é atravessada por injunções midiáticas.

Assédio permanente

Conversas diversas também me davam conta de a presença da TV, na vida doméstica, ter ocorrência ocasional. De resto, percebi muita afluência a postos de oferta de internet. Mesmo com o primeiro atentado em Londres (7/7/2005), não se verificava nas ruas maior acorrida a noticiários. Pelas cidades não se encontram telas disponíveis, como a publicidade é igualmente tímida. Outdoor é algo praticamente ausente na paisagem.

Em contrapartida, não faltam fartas livrarias nos mais diversos ambientes – fato, aliás, registrável tanto na Europa ocidental quanto na Argentina, principalmente em Buenos Aires. Enfim, a viagem me deu a medida exata do excesso de que padecemos no tocante à dependência quanto à ação dos meios de comunicação de massa. Bom ou ruim, trata-se de uma diferença a ser levada em conta.

Talvez precisemos de algumas lições: uma delas, pelo menos, é a de que existe vida inteligente para além da mídia. Outro dado de prazerosa experiência foi a possibilidade – diferentemente do hábito nacional – de poder sentar na mesa de um bar e ali, pacificamente, conversar, sem o assédio permanente de música a concorrer deslealmente com a humana prática do diálogo. Menos ainda, percebe-se a patologia televisiva em restaurantes. Seja em recinto aberto ou fechado, o encontro de pessoas supõe a fala como personagem maior.

Certeza definitiva

São simples observações de viagem que nada trazem de maior novidade. Quando muito, servem para mero registro de caráter comportamental, apenas para não nos considerarmos excessivamente divinos e maravilhosos na nossa habitual superexposição e caricatural exibicionismo, a começar pelo padrão de automóveis que circulam diariamente nas cidades mencionadas. Invariavelmente são carros populares, modestos. Quem outro tipo tem, reserva para viagens.

Não se trata aqui de firmar paradigmas europeizantes. Trata-se apenas de fixar alguns parâmetros que tornam a vida diária mais densa e enraizada. Alguns dos hábitos já existiram entre nós, mas, por algum desatinado desvio, foram perdidos. Nunca é tarde para o resgate. Para tanto, porém, há um padrão cultural a ser recuperado. A julgar pelas tendências dominantes, o horizonte parece mais distante.

A questão agora é a de reentrar na atmosfera brasílica e suportar a excessiva quentura que, espero, não incendeie a nave. CPIs para todos os gostos e escândalos a rodo prometem emoções novelísticas. De quebra ainda o insólito: sabe-se lá, quantas mais ofertas de novas ‘coelhinhas denunciantes’ para capa da Playboy? Do montante de denúncias, esse fato me fez ter a indubitável certeza de que já estava no Brasil.

******

Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA – Rio de Janeiro).