A denúncia de que os Estados Unidos mantêm um sofisticado sistema de espionagem no Brasil, através do acesso ilegal a e-mails e telefonemas, é, sem dúvida, um prato cheio para a presidente Dilma Rousseff. Sendo verdadeira a acusação – e tudo indica que é – cria-se para o governo, e para os partidos políticos em geral, uma esplêndida oportunidade de se manifestar e agir em perfeita consonância com a opinião pública.
Dilma definiu, e com inteira razão, o comportamento dos EUA – um aliado histórico do Brasil – como uma violação da soberania brasileira e dos direitos humanos. E prometeu uma medida necessária e sensata: apresentar um protesto na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Além disso, anunciou que recorrerá à União Internacional de Telecomunicações pedindo que garanta a segurança cibernética das comunicações.
São as únicas saídas: não seria do nosso interesse uma reação mais severa, como um rompimento de relações ou uma ridícula represália militar. O Brasil tem, digamos assim, um peso médio nas Nações Unidas. É suficiente para estabelecer uma discussão do problema na ONU; não lhe faltarão aliados para, pelo menos, constranger o governo americano, forçando-o a dar explicações humilhantes e, quem sabe, uma promessa formal que desativará a espionagem eletrônica. Será, se a diplomacia brasileira agir com severidade e inteligência, uma derrota desagradável, para não dizer humilhante, para Washington.
Data, hora e duração da chamada
Outros países de peso médio nas Nações Unidas terão uma dupla oportunidade: tanto apoiarem o protesto brasileiro como exigirem que não venham a ser – se é que já não são – vítimas do mesmo tipo de espionagem. O governo brasileiro tem duplo interesse no recurso à ONU: tanto conseguir de Washington uma promessa formal de que não faz mais, como descobrir que vantagens ou interesses levaram o governo americano a se interessar tanto pelos e-mails e telefonemas dos cidadãos de um país que é seu aliado histórico.
Pode ser que a tentativa de levar o problema para as Nações Unidas seja frustrada pelos diplomatas americanos: ninguém ignora o prestígio do país mais poderoso do mundo. Por um lado, não faltam aliados de Washington com amizade e dívida que serão obviamente cobradas na ONU. Por outro, certamente não faltam governos, amigos ou não do Brasil, que devem ter forte curiosidade de saber se Washington também tem interesse indevido em seus e-mails e telefonemas. A presidente Dilma Rousseff reagiu, até agora, com energia na medida certa. Além da decisão política de recorrer às Nações Unidas, faz bastante sentido o seu pedido à União Internacional das Telecomunicações, solicitando providências técnicas na sua área. Fora isso, só lhe restava esperar a reação de Washington.
Como em qualquer outra situação parecida, só resta ao governo dos EUA a desagradável tarefa de pedir desculpas e prometer que não faz mais. Por enquanto, só se ouviu a voz do embaixador americano, jurando que o seu país apenas faz o registro de metadados. Para quem nunca ouviu falar nisso, como eu, isso significa o número de telefones discados, com data, hora e duração da chamada. O que, pelo menos para um leigo, não ajuda muito a garantir a segurança nacional da maior potência do mundo.
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Luiz Garcia, de O Globo