Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Casal real discreto desafia mídia britânica

Do lado de fora da ala particular do hospital St. Mary, as hordas da mídia global de olho no bebê da realeza britânica marcaram seu espaço com fita adesiva e escadas portáteis. Famintos por material num mundo dependente da Mãe Natureza e do Palácio de Buckingham e em busca de manter um tom de expectativa total, repórteres decidiram recorrer a entrevistas com os próprios colegas. Talvez nada fosse mais adequado. Enquanto o príncipe William e sua mulher, Catherine, a duquesa de Cambridge – antes conhecida como Kate Middleton – se preparam para receber uma nova vida e aumentar a família sob os holofotes, a imprensa está de prontidão para ser uma parte considerável da história.

O cenário leva a um déjà vu de 22 de junho de 1982. Então, outro jovem casal – o príncipe Charles e Diana, princesa de Gales – deixou a mesma ala do mesmo hospital com William nos braços e rumo ao que viria a se tornar um relacionamento de amor e ódio com a imprensa (e também de um com o outro) que definiria a política palaciana por décadas. Alguns – até mesmo William, segundo algumas versões – ainda culpam a mídia pela morte de Diana, em 1997, num acidente de carro em Paris enquanto era perseguida por paparazzi.

Os tabloides ingleses são uma fera diferente hoje, assim como a máquina de relações públicas do palácio; a primeira, mais domada; a segunda, muito mais profissional e controladora. Mas a mídia ao redor do mundo está prestes a um feroz despertar enquanto clama por um pedaço do casal e do bebê.

Medo da concorrência estrangeira

Após uma breve coreografia para as câmeras no momento de deixar o hospital com o recém-nascido, observadores da realeza dizem que William e Kate podem sumir por um tempo, ou ao menos tentar. O movimento pode marcar uma tentativa de levar uma vida muito mais privada que a dos pais de William. "Isso será muito diferente de ver William crescer, e tem muito a ver com as pessoas envolvidas agora", disse Roy Greenslade, ex-editor do Daily Mirror e agora professor de Jornalismo na City University, em Londres. "William odeia a imprensa, e Kate, ao contrário de Diana, dificilmente fará qualquer coisa para quebrar o secretismo palaciano."

Para a imprensa, qualquer entrincheiramento do casal não poderia ter vindo em um momento pior. Capas e fotos de Kate fazendo compras, em cerimônias oficiais ou mesmo andando com o cachorro aumentaram o número de cliques e de revistas vendidas a patamares similares aos dos dias de Diana.

Quando orquestrada – por exemplo, um duelo de varinhas entre William e Kate nos estúdios de Harry Potter – essa publicidade é tudo que a Casa de Windsor precisa para mostrar uma monarquia do século 21 ao público. Mas a cobertura real, ao menos aos olhos do palácio, já mostrou a linha tênue que separa os dias de hoje dos tempos de fotógrafos escondidos. É só lembrar, por exemplo, das fotos de Kate fazendo topless. Recentemente, o Daily Mail destacou três repórteres para descobrir os desejos de gravidez de Kate.

Há também o desafio da concorrência internacional. No Reino Unido, por exemplo, não se pode fazer reportagens sobre uma gravidez que não tenha chegado à 12ª semana, o que não existe nos EUA. E num mundo em que tabloides americanos e europeus nem sempre seguem as regras – e em que qualquer um com um celular é um paparazzo em potencial – a imprensa britânica teme que as fotos de divulgação com a duquesa andando com o cachorro fiquem cada vez mais escassas quando ela estiver empurrando um carrinho de bebê. "Estamos andando em uma corda bamba com o casal real, e ela vai ficar cada vez mais fina com o bebê", disse Richard Palmer, que cobre a família real para o Daily Express. "Sabemos que dificilmente vamos publicar fotos não oficiais do bebê nos primeiros meses, mas e se os americanos e australianos o fizerem? Os leitores podem ir a qualquer lugar agora."

Acordo na juventude de William

William e Kate podem estar nadando contra a maré. Enquanto a ideia de um conto de fadas e, depois, de um desastre, puxou o interesse por Charles e Diana, a imagem do casal jovem e moderno – acessível e, ao mesmo tempo, em outro mundo – parece conduzir a cobertura. A pressão comercial por qualquer detalhe da vida do casal é imensa. Uma foto da duquesa deixando uma loja com um cesto para bebê fez as vendas do produto dispararem. O mesmo ocorreu com o rumor de que ela havia escolhido um carrinho azul claro. Alguns exigiram de Kate que dê o exemplo ao estimular a amamentação. E ainda há quem garanta que ela vai optar pelo parto normal. A pergunta, para muitos, é onde separar a cobertura da família real de uma privacidade razoável.

De alguma forma, a ascensão de William pode seguir um caminho similar ao de Diana – ela protegia ferozmente a privacidade dos filhos, mas ao mesmo tempo tentava criá-los da forma mais normal possível. Levava-os ao McDonald’s e à Disney. E, ao contrário de Charles, que foi estudar na Escócia, eles frequentaram o Eton College, perto de Londres. Quando William estava lá, a família fez um acordo com os tabloides: vocês se afastam em troca de atualizações periódicas da vida do príncipe.

Mas será que estes relatórios serão frequentes no caso do bebê? Durante os primeiros anos de William, Arthur Edwards, do Sun e veterano da cobertura da família real, foi chamado pelo palácio em várias ocasiões onde poderia fazer uma foto do príncipe. O batismo. O dia dos primeiros passos. A primeira viagem internacional. Mesmo que William e Kate queiram documentar a vida de uma criança que será rei ou rainha, Edwards crê que esses telefonemas serão cada vez mais escassos. "Não acho que ganharemos esse acesso. Suspeito que eles serão mais privados."

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Anthony Faiola é jornalista e professor de computação