Depois de um longo processo de desenvolvimento, hoje pode-se dizer que a cultura e os seus bens (em uma nova realidade, são verdadeiramente chamados de produtos) representam um mercado que, como tal, necessita ser gerido com um aparato de técnicas específicas e por profissionais qualificados. Para alguns, pode parecer estranho unir o conceito de marketing com o de cultura e assim criar-se o marketing cultural.
O motivo dessa estranheza e, em alguma medida, preconceito deve-se ao uso da palavra marketing (este relacionado às práticas do mercado) associado ao conceito de cultura (vista como um bem superior). Tentando achar uma explicação histórica para o fato, tem-se que no Brasil, de acordo com alguns pesquisadores, o desenvolvimento do marketing ocorre a partir da década de 60 com o entusiasmo que causou o período conhecido como milagre econômico, no governo militar. Logo, as ações realizadas para a divulgação de determinada marca, ações de uma estratégia de marketing, passaram a ter má fama e mesmo os profissionais da área foram alvo de descaso, passando a ser identificados pelo termo “marqueteiro”, que, ainda hoje, para muitas pessoas, quer significar trabalho feito de maneira duvidosa e questionável. Contudo, deve-se deixar tal pensamento, tão impregnado de arcaísmo, de lado e olhar com bons olhos para a nova prática, ou tendência, chamada marketing cultural.
O início da prática de marketing cultural no Brasil está diretamente envolvido com o aparecimento das leis de incentivo à cultura. O marco inicial de tais incentivos acontece com a chamada Lei Sarney, de 1986, e posteriormente, com a Lei Rouanet (ainda vigente, mesmo que com algumas mudanças). Resumidamente, ambas as leis tratam da renúncia fiscal possibilitando que pessoas jurídicas e físicas possam financiar projetos artístico-culturais a partir da dedução parcial ou integral dessas quantias do valor dos impostos devidos ao governo.
Mecenato e patrocínio
O pouco tempo de existência do marketing cultural no país, menos de três décadas, pode ser um dos motivos que ocasionam o seu desconhecimento (poucas faculdades possuem disciplinas voltadas para o assunto, por exemplo). Essa pode ser a explicação, também, para o fato de que raros pesquisadores se interessam pelo tema como objeto de estudo, o que resulta na escassez de bibliografia sobre o marketing cultural. Uma excelente exceção é a tese/livro do professor Manoel Marcondes Machado Neto, intitulada Marketing cultural: das práticas à teoria.
Como diversas questões ainda são novas no marketing cultural, muito do que se diz a respeito está baseado em especulação e somente a observação atenta e a consequente pesquisa, nos próximos anos, poderão dar subsídios para que se faça uma afirmação mais contundente. Outra ressalva a ser feita é a de que as conclusões apresentadas por um pesquisador não devem ser vistas como resoluções definitivas, mas sim, como um ponto de partida para uma análise futura mais aprofundada. Assim, pode-se dizer que marketing cultural, com os atuais recursos disponíveis, refere-se ao uso das ferramentas do marketing entrelaçadas com a prática de financiamento, especialmente realizado por pessoas jurídicas, a projetos artístico-culturais.
Ao tratar de financiamento ao trabalho artístico-cultural, torna-se oportuno fazer uma diferenciação entre mecenato e patrocínio. Este último é uma relação de troca, no qual o patrocinador disponibiliza algum tipo de recurso (seja financeiro, seja serviços ou mesmo produtos) e, como contrapartida, recebe do patrocinado contraprestações que o favoreçam. Notadamente, aqui estamos falando de um favorecimento que inclui a própria marca, nome do patrocinador, seja para reforço ou mesmo construção de uma imagem corporativa positiva diante de diversos públicos-alvo. Em outro viés, o mecenato é reconhecido como um apoio espontâneo à cultura e a suas manifestações, sem que haja o estabelecimento de uma relação de prestação/contraprestação entre os envolvidos. Historicamente, mecenas é alguém que está mais preocupado com a manutenção da arte para satisfação própria.
Novo cenário
Esse posicionamento de incentivo à cultura está relacionado à concepção atual de que o progresso de uma nação não deve ser medido unicamente pelo número de fábricas existentes, pelas pesquisas avançadas em exploração espacial ou mesmo pela altura das construções. Para que uma sociedade se desenvolva plenamente, será igualmente relevante investir nas manifestações artístico-culturais e em seus produtos. Nesse panorama, pode-se dizer que a própria análise de eficiência de uma empresa não pode mais ser medida somente pelo balanço financeiro de cada etapa. O lucro, então, deixa de ser o único objetivo da organização e entram em cena aspectos como postura ética e responsabilidade social.
Importante salientar que toda e qualquer empresa pode fazer marketing cultural e não somente aquelas instituições que tenham a promoção da cultura como razão de existência, como museus, centros e espaços culturais. Dessa forma, o que se observa é que determinada organização, ao patrocinar uma proposta cultural, se utiliza do prestígio dos produtos artísticos ligados a ela para fortalecer a criação, a consolidação ou mesmo o reforço de sua imagem corporativa diante de seus públicos-alvo. Assim, o patrocinador cria a possibilidade de ser lembrado de outra maneira, eminentemente positiva, no imaginário dos consumidores na hora da contratação de um serviço, aquisição de um produto, ou ainda, na recomendação da marca para terceiros. Afinal, a empresa que patrocina a cultura está colaborando para o desenvolvimento da sociedade e, por isso, merece ser lembrada. E bem lembrada.
Por hora, pode-se dizer que o marketing cultural surgiu em um novo panorama de desenvolvimento das relações da sociedade com seus agentes, no qual a cultura e seus bens simbólicos passam a ter um lugar de destaque e experimentar um papel muito relevante para a construção de um futuro mais equilibrado.
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Eliza Granadeiro é jornalista e produtora cultural