A manifestação das ruas é vista, dependendo do viés ideológico e da classe social, das mais variadas óticas. No caso da grande mídia, foi imposta certa ordem revelando o quanto os formadores de opinião não têm opinião própria e apenas repetem os mantras chancelados pelos patrões. Tornou- se viral nas mídias sociais posts de Arnaldo Jabor, em especial um vídeo da TV argentina que o mostra, primeiro criticando e, em seguida, elogiando o movimento (ver aqui).
Em relação às criticas ao movimento, feitas por parte da esquerda, fico cogitando com meus botões, como diria Mino Carta, se elas se devem a um temor, não de todo infundado, de que este movimento ao fim e ao cabo caia no colo da direita. Se cair, no meu entendimento, ao contrário do que pensam estes, será uma apropriação indébita. Por não ter uma personalidade definidora do movimento, que vejo como virtude e não demérito, não significa que ele tenha eclodido por interesses da direita. O fato de ela, direita, querer agora se apropriar do movimento não tem relação com as causas que o geraram. Qualquer leitor medianamente informado sabe que o fator desencadeador da greve foi a questão do preço do transporte coletivo urbano e também sabe que esta questão não aflige os conservadores. Em episódios recentes envolvendo questões como bolsa- família, a legalização trabalhista da empregada doméstica, a questão das cotas nas universidades, a ascensão da nova classe média e sua maior presença nos aeroportos, ficou visível o foco da preocupação das elites: a perda da distinção. Qualquer diminuição do fosso entre o topo e a base da pirâmide social, da distância da senzala em relação à casa grande, é percebido por esta última como ameaça de perda de privilégios seculares. Daí o ódio que cultivam contra Lula e o PT. Portanto, não seriam eles os fomentadores de um movimento que vem de baixo para cima e que descrê no messianismo de líderes, mesmo daqueles ungidos da própria massa.
Não deixar Dilma “sair dos trilhos”
O que percebi nestas manifestações de rua foi um movimento que se contrapõe ao jogo conciliatório das elites e que instaurou aquilo que o filósofo Marcos Nobre, da Unicamp, denominou de peemedebização da política (ver aqui). Uma reedição contemporânea do conceito de conciliação nos moldes estudados por Michel Debrun, que assim a define no seu livro A Conciliação e Outras Estratégias, editora Brasiliense: “A conciliação, no Brasil, nunca foi um arranjo entre iguais, mas o reconhecimento, por parte de um polo social ou político menor, da primazia do outro polo, mediante algumas benesses e sobre o pano de fundo constituído pela exclusão da grande massa. Em outras palavras, o fosso – econômico, social e político – que, desde as origens, existiu entre grupos dominantes e dominados, sempre foi utilizado pelos primeiros para facilitar a própria reprodução desse fosso, através da cooptação de elementos menos dominantes, ou mesmo tirados das camadas subalternas.”
Um modelo político que dá voz às ruas até as eleições e depois quem “dá as cartas” e descarta o resto são os financiadores de campanha e o grande capital. Um modelo onde o fiador politico da governabilidade é e será, ad infinitum – se nada mudar – independente do partido que tiver no poder, o PMDB, encarnado hoje neste misto de Béla Lugosi e Lando Buzzanca, Michel Temer, que a toda hora é incensado pelos verdadeiros donos do poder por ser alguém que está ali ao lado da presidente para, como já li na grande mídia, não deixá-la “sair dos trilhos”. Não sair dos trilhos aqui significa não prejudicar o grande capital nacional e internacional e manter este modelo político-eleitoral onde se faz imperativo muito dinheiro para se eleger e disso resulta um comprometimento do eleito com o financiador de campanha e a colocação em segundo ou último plano o comprometimento com o eleitor.
Não sabem o que querem, mas sabem o que não querem
Como disse, radicalizando, um amigo jurista, especialista em Direito Constitucional: “Os políticos não são maus por natureza. Você, eu ou qualquer um, se colocados no lugar deles vamos ter que agir do mesmo modo para sobreviver neste sistema.” É claro que esta é uma visão caricata, que não contempla as nuances ideológicas e éticas que existem a revelia do sistema, mas ilustra a perversidade do funcionamento do modelo institucional adotado.
Além do mais, os problemas brasileiros não são só de ordem constitucional. Não basta adotar uma nova ordem constitucional, mas esta é parte importante da mudança necessária. Envolve também o esgotamento de um modelo de democracia representativa capturado pelo poder do dinheiro que está sendo contestado em todo o mundo. Tanto isto é verdade que a proposta, nascida como resposta ao movimento, enviada ao Congresso pela presidenta Dilma Rousseff que contempla parte destas reivindicações, está sendo contestada, segundo informações veiculadas na grande mídia e nas redes sociais, adivinha por quem? PMDB. Eles sabem o que significa esta quebra da barreira invisível que leva a voz das ruas a ser ouvida somente e até as eleições. O último lance desta tendência hegemônica de peemedebização do cenário político ocorreu nesta semana (16/07/2013) com a retirada do deputado Henrique Fontana, substituído por Candido Vaccarezza na condução das propostas de reforma política. Substituição questionada pelos grupos mais à esquerda do próprio PT e que, segundo deputados do PT como o Elvino Bohn Gass “a indicação do Vaccarezza é do presidente da Câmara, e não do PT”.
Uma manifestação de rua desencadeada por um movimento coletivo de, na maioria, jovens que pode não saber o que quer, mas sabe o que não quer, como disse Marcos Coimbra.
******
Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS