Três dos principais diários brasileiros deram manchete, na sexta-feira (29/7), com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Canoas (RS), mas só um tentou resumir no título o recado completo. A Folha de S.Paulo noticiou: ‘Economia do país é vulnerável, diz Lula’. O Estado de S.Paulo destacou: ‘Lula faz alerta sobre economia; Congresso já discute trégua’. O Globo procurou mostrar a intenção do presidente: ‘Lula descarta mágicas na economia e pede cautela’.
A manchete do Globo foi ao ponto mais importante. Por que diabo Lula proclamaria a vulnerabilidade econômica neste momento? Se ele estivesse apenas afirmando que o país é vulnerável, haveria motivo para pedir não seu impeachment, mas sua interdição judicial. O presidente, no entanto, não parece ter chegado a esse ponto, apesar da entrevista em Paris e de outras esquisitices. Nos últimos dias, ele tem dado alguns sinais de retorno ao mundo e o discurso em Canoas foi um desses.
Suas palavras tinham pelo menos dois destinatários possíveis e a mensagem foi enviada provavelmente a ambos. Lula se dirigia, quase certamente, a quem cobra mudanças na política econômica e, é óbvio, ao mercado financeiro.
O primeiro grupo inclui uma parcela do PT. Pressões de grupos petistas contra a política iniciaram-se há muito tempo e não deram resultado até agora, mas há uma novidade importante: a campanha eleitoral no partido. O calote da dívida externa e a renegociação da dívida interna estão na lista de reivindicações de pré-candidatos da oposição à presidência do PT. Lula não deve estar alheio a essa discussão.
Do lado empresarial, há uma divisão relevante. Parte dos dirigentes, embora criticando a política de juros e a valorização do câmbio, tem preferido evitar marolas neste momento. Outra parte, que inclui a nova diretoria da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), decidiu que esta é uma boa hora para cobrar do governo uma alteração do rumo.
‘Medidas fáceis’
O ‘mercado’, segundo provável destinatário da mensagem, congrega não só o pessoal do setor financeiro, mas também consultores, analistas e empresários capazes de movimentar grandes massas de recursos de uma hora para outra. Embora o ‘mercado’ pareça ter superado o nervosismo de 25 de julho, última segunda-feira do mês, sinais de preocupação persistem e temores são discutidos com certa reserva.
Não por acaso o Banco Central, no dia 28 (quinta), comprou com recursos do Fundo Garantidor de Crédito parte da carteira de empréstimos consignados do Banco Rural para aumentar sua liquidez. Foi um gesto de proteção não apenas ao Rural, mas ao sistema. Casualidade ou não, a fala de Lula combinou com essa manobra de segurança.
A referência à vulnerabilidade seria dirigida principalmente ao grupo favorável à grande mudança. ‘Não podemos brincar’, disse o presidente, ‘para que a gente não tenha um retrocesso.’ Já o compromisso de não recorrer a mágicas valeria para os dois públicos, mas o recado seria dirigido principalmente ao segundo: no que depender da Presidência, segundo Lula, os fundamentos serão preservados.
No mesmo dia, em Brasília, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Jacques Wagner, negou que o governo possa abrir o cofre e usar ‘medidas fáceis’ para ganhar apoio político. O ministro classificou como injusta a comparação de Lula com o presidente Hugo Chávez, da Venezuela.
O ruído e a mensagem
A soma dessas mensagens é a seguinte: não haverá, diante da crise política, medidas populistas nem desvio da orientação básica da política econômica. A mensagem foi captada com perfeição pelos analistas da consultoria Tendências. Segundo eles, Lula encerrou uma semana positiva para o governo, ao afirmar a manutenção da política econômica e a disposição de proteger da turbulência os fundamentos da economia.
Houve quem gastasse tempo e papel, também, comparando as declarações de Lula e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, como se fossem contraditórias. De um lado, estaria o presidente da República reconhecendo a vulnerabilidade da economia. De outro, Meirelles afirmando, em Brasília, que ‘a economia brasileira se encontra hoje com fundamentos sólidos’. O próprio Globo tentou ressaltar esse contraste, sem levar em conta a diferença de contextos. Nem Meirelles nega que sejam necessários os cuidados defendidos por Lula, nem Lula deixa de afirmar, até com freqüência, que o Brasil tem hoje melhores condições para enfrentar crises.
O fascínio das palavras soltas ou mesmo de longas frases fora de contexto continua a ser uma das marcas da imprensa brasileira. Dando mais importância ao ruído que à mensagem, os jornais acabam, com freqüência, realçando o desimportante e contando mal a história. Para avaliar e decifrar o recado de Lula, bastaria lembrar um detalhe: qualquer analista do mercado financeiro entende muito mais de vulnerabilidade do que o presidente – e ele deve saber disso. Logo, a novidade não estaria aí.
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Jornalista