A estréia da nova novela global das oito registrou 35 pontos de média, 39 de pico e 49% dos televisores ligados. No mesmo dia e horário, Caminhos do Coração, da Record, chegou ao fim. A novela foi ao ar quase ao mesmo tempo que A Favorita e conquistou 23 pontos de média e 27 de pico. De cada 100 televisões ligadas, 32 estavam exibindo a trama da Record.
O fato histórico não fica apenas na nota em si, mas o ibope, no minuto a minuto, apontou quatro minutos de liderança para a Record. Fato nunca ocorrido no horário, pois os áureos tempos da extinta Manchete, com Pantanal, que pode estar prestes a ser reprisada pelo SBT, eram no horário das 22h.
O poder de retratar a realidade de cada país que uma novela possui sempre é aclamado pelos seus defensores, embora contestado por seus críticos. Algo é inegável, algumas novelas já imbuíram na sociedade uma série de reflexões que muitas leis que vêm de cima para baixo no Congresso ou no Palácio do Planalto não conseguem.
Gírias do meio sem forçar a barra
Exemplos não faltam. Desde Barriga de Aluguel, cuja discussão é o próprio título-tema a tramas mais leves, que acabam ou pelo enredo ou por interpretações brilhantes, como de Beatriz Segall, a inesquecível Odeth Roittman – na novela, ela tinha um affaire com um rapaz décadas mais jovem.
E tem mais: a estréia da trama de Tiago Santiago, Os Mutantes – A Evolução, marcou uma média de 24 pontos de média, 27 de pico e 34% de share na faixa das 20h50 às 21h49. A TV Globo registrou no mesmo horário 35 pontos de média.
A mídia especializada rotulou a trama de Tiago Santiago como surreal. Que ótimo, seria um neto de Salvador Dali na dramaturgia? Mas eu creio num ponto para Santiago, além dos vários conquistados no ibope. A personagem, Danilinho, homossexual para si assumido, mas não para a família. Ele se casou com uma mulher por motivos tais como família conservadora, status sócio-familiar e herança. O ponto salutar é que, mesmo não tendo ainda em cena se relacionado com outro homem, ele fala dentro do léxico e com gírias do meio gls sem forçar a barra. Até me assusto comigo mesmo por elogiar pela primeira vez na vida Cláudio Heindrich. Mas o rapaz fez laboratório em meios GLBTT, desde ONGs a casas noturnas. E o texto tem ajudado.
Real ou surreal?
A Favorita têm em si um que mexicanizado, lembra o título A Madrasta, um dos últimos sucessos de ibope nas tardes do SBT, exceto pelas enésimas reprises de Maria do Bairro. E uma clara tentativa de luta desesperada pelo ibope perdido é o número reduzido de atores e tramas. Pois a Globo sempre criticou as novelas da sua arqui-rival Televisa. Principalmente pelas histórias com poucas personagens e a trama muito focada na protagonista. A ‘nova’ das 8, além de péssimo desempenho para o padrão Globo, sofre críticas prévias pelo baixo investimento nas chamadas e abertura simples. A esteriotipalização das personagens.
Seria o confronto de interpretações no melhor estilo Stanislaviskiano, realista, dentro de uma trama surrealista. Contra uma trama muito realista de interpretações supérfluas, hollywoodianas. O que Tiago Santiago repete exaustivamente em suas entrevistas e denomina de ‘realismo fantástico’. Uma lacuna deixada pelo saudoso Dias Gomes, de Roque Santeiro, com seus lobisomens e crendices de cidades do interior levados muito a sério em seus enredos.
Real ou surreal, o que mais se aproxima da nossa atual vida contemporânea, de mensalões, Isabellas e Bush?
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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC